No passado, alguém diria que é Cuba que está fomentando as manifestações em São Paulo. Como ninguém mais é comunista, quem diz algo assim não será ouvido, será apenas mais um gagá. Mas os conservadores, ricos ou pobres, reclamam e reclamarão das manifestações. O conservador paulistano é aquela pessoa que olha uma criança na rua, abandonada e passando fome, e para não se sentir responsável, logo diz: “filho de família desestruturada, aposto que a mãe tem mais uns dez, cada um com um homem diferente, e fez isso só para ganhar a bolsa família”. Uma pessoa desse tipo fica muito preocupada se alguma pedra atingir a porta do McDonalds em uma manifestação como a Primavera Paulistana, mas não se importa se uma bala de borracha, por ordem do governador (PSDB), com aval do prefeito (PT) e da Presidência da República (PT-PMDB), atingir uma jornalista e a fizer perder o olho.
Família, que não existe mais. Pátria, que não existe enquanto não governada com mão de ferro por um milico que abaixa as calças para a vontade insana de elites retrógradas. Propriedade, que é uma coisa boa, contanto que os pobres não a tenham e paguem aluguel aos ricos. Assim é o lema de hoje dos que ainda tem o lema do passado, “Família, pátria e propriedade”. Essa gente não quer governar, quer apenas que as coisas caminhem de maneira mágica segundo suas vontades idiossincráticas. Não conseguem governar nem mesmo em defesa de seus interesses classistas, porque não sabem quais são eles. Nossas elites ficaram tão burras quanto está meio tola nossa população menos rica, por falta de escolarização.
Todavia, a população menos rica, na sua percepção imediata, começa a sentir a inflação. E entre estes, os que possuem algum nível de informação, percebem que hoje, a Copa, que seria algo muito bom para o Brasil, se tornou um fardo. Pois as coisas não aconteceram como se torcia para que acontecessem. A torcida era para que a Copa trouxesse vida e dinheiro para o Brasil. No entanto, recentemente os impostos municipais, estaduais e do governo federal ganharam adendos e reforços, pois tudo está planejado, agora, para que a Copa seja paga três vezes: uma para a realização da própria Copa, outra para os partidos e outra, ainda, para a corrupção individual ou de pequenos grupos. As manifestações da Primavera Paulistana estão diretamente relacionadas a essa percepção e ao sentimento de que políticos de direita não valem nada e políticos de esquerda são traidores.
A direita não tem partido e acabou se alojando, negativamente, no PSDB. A esquerda traiu a juventude e seus eleitores e, agora, está vendo uma parte boa da população não ter mais nenhum apreço por agremiação partidária. Por isso mesmo o Primavera Paulista é um movimento de protesto, não é organizado, não é passeata. Os centavos de aumento na passagem do ônibus serviram apenas como estopim de uma raiva que estava até agora um pouco contida. Uma raiva que aumentou quando a população viu que, em meio à crise, Haddad e Alckmin estavam em para Paris. E eles não se contiveram, lá de Paris, ao invés de dizer que voltariam e atenderiam a população, disseram que a violência era dos manifestantes (não da polícia!) e que não iriam ceder em nada.
Nisso tudo, Dilma é vaiada em abertura do jogo. Também a Copa será um tiro pela culatra para ela? Tenho medo que ela não saiba reverter o quadro econômico que está se delineando e não saiba, também, lidar democraticamente com manifestações de desapreço popular. O PSDB não sabe, e agora Haddad, na prefeitura da maior cidade da América Latina, está mostrando que o PT também não sabe.
Fonte: Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário