Dezoito ministros do órgão receberam quase R$ 640 mil como auxílio-alimentação retroativo.
A presidência do Tribunal de Contas da União (TCU) retirou R$ 1,02 milhão do programa de fiscalização da aplicação dos recursos públicos federais – a principal atividade do tribunal, responsável pelo controle dos gastos da União – para depositar R$ 636,5 mil nas contas pessoais dos próprios ministros do órgão, entre eles seis já aposentados. O dinheiro depositado nas contas de 12 ministros da ativa e de seis que usufruem da aposentadoria se refere ao pagamento do auxílio-alimentação retroativo, uma regalia permitida pelos próprios integrantes do TCU.
A primeira parcela do benefício foi paga no mesmo dia – 6 de dezembro de 2012 – em que o então presidente do TCU, Benjamin Zymler, assinou a portaria que remanejou mais de R$ 1 milhão do programa de fiscalização para despesas com servidores. Em 26 de dezembro, os ministros receberam a segunda e última parcela da regalia.
A portaria da presidência do TCU criou um crédito suplementar no Orçamento da União para pagar auxílio-alimentação a “servidores e empregados”, como consta no documento, e também para capacitação de recursos humanos e assistência pré-escolar aos dependentes dos servidores. Os valores destinados a cada atividade foram de R$ 700 mil, R$ 250 mil e R$ 70 mil, respectivamente. Em contrapartida, ficou cancelada a destinação de R$ 1,02 milhão à atividade de fiscalização da aplicação do dinheiro público. A portaria esconde, portanto, a real destinação da principal fatia do dinheiro retirado do programa de fiscalização.
No último dia 13, O GLOBO pediu que o TCU informasse se o crédito criado serviu para o pagamento do auxílio retroativo aos ministros. O tribunal demorou 14 dias para responder. “Sim, essa foi a fonte para os pagamentos de auxílio-alimentação devido aos ministros do TCU”, respondeu a assessoria de imprensa na quinta-feira, 27.
O tribunal também se negava a informar quanto cada ministro recebeu individualmente e qual o valor total da regalia. Depois de ser procurado pela reportagem no dia 5, o órgão decidiu, por conta própria, abrir um pedido de dados via Lei de Acesso à Informação, que estabelece pelo menos 20 dias para uma resposta. O presidente do TCU, Augusto Nardes, autorizou o repasse das informações na terça, 25.
As maiores quantias foram pagas aos ministros-substitutos Marcos Bemquerer (R$ 57,2 mil) e Augusto Sherman (R$ 56,2 mil). O ministro José Múcio Monteiro Filho, relator do primeiro processo que permitiu pagamentos retroativos a 2011, recebeu R$ 14,9 mil. Já Valmir Campelo, relator da decisão de retroagir os depósitos a 2004, recebeu R$ 55,8 mil. Na conta do ex-presidente Benjamin Zymler foram depositados R$ 52,2 mil e, na do atual, Augusto Nardes, R$ 44,7 mil. Ana Arraes, que ingressou no órgão no fim de 2011, foi a única a não ser contemplada com o benefício.
A tabela repassada via Lei de Acesso à Informação mostra ainda que o TCU pagou R$ 159,8 mil a seis ministros aposentados. O recordista é Ubiratan Aguiar, com R$ 55,8 mil. Ele deixou o órgão em 2011. Na lista de beneficiários está um deputado federal, Humberto Souto (PPS-MG). Como ele deixou o tribunal em 2004, o pagamento foi de apenas R$ 322. Ao todo, o pagamento do auxílio-alimentação retroativo custou R$ 636,5 mil aos cofres públicos, valor próximo dos R$ 700 mil retirados do programa de fiscalização de recursos públicos para “auxílio-alimentação a servidores e empregados”.
“Os valores foram apurados após o fechamento da folha de pagamento, sendo, por esse motivo, pagos por meio de ordens bancárias. Referem-se a parcelas de caráter indenizatório, razão pela qual não constaram dos contracheques disponibilizados no Portal TCU”, cita o secretário-geral de Administração do tribunal, Eduardo Monteiro, no despacho referente ao fornecimento de dados via Lei de Acesso. Segundo o secretário, as ordens bancárias estão registradas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal, que registra os pagamentos feitos pela União.
Numa decisão secreta, em agosto de 2012, os ministros do TCU permitiram o pagamento de auxílio retroativo aos integrantes de tribunais superiores. Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Superior Tribunal Militar (STM) receberam ao todo R$ 1,3 milhão, R$ 1,93 milhão e R$ 403,9 mil, respectivamente. Já em setembro, o TCU permitiu os pagamentos a seus ministros, com retroatividade a 2011, por entender que eles se equiparam aos ministros do STJ. Uma nova decisão, em 28 de novembro, estendeu os pagamentos de refeições passadas feitas a partir de 2004. A portaria que retirou o dinheiro do programa de fiscalização foi assinada oito dias depois. Em maio deste ano, por fim, o TCU liberou os pagamentos para os 4,9 mil juízes federais e do trabalho, o que representará um gasto de R$ 312 milhões.
Todas as decisões levaram em conta uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2011, que permitiu aos juízes receberem auxílio-alimentação, como já ocorre com os promotores de Justiça. A resolução, no entanto, não faz qualquer menção a retroatividade. Também não há decisões definitivas sobre o assunto por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu não fazer os pagamentos aos seus ministros. O presidente do CNJ e do STF, Joaquim Barbosa, já declarou que vai propor a derrubada da resolução no próximo semestre. Numa votação sobre pagamento do auxílio na Justiça estadual, Joaquim criticou a decisão do TCU de beneficiar os próprios ministros.
– Normalmente, esse tipo de argumento é utilizado fazendo-se uso do Tribunal de Contas da União:
“Ah, paguei porque o tribunal disse que é legal.”
Só que o TCU, nós sabemos, incorre, com muita frequência, em ilegalidades e inconstitucionalidades. Depende da conveniência – disse o presidente do STF, em sessão do CNJ no dia 11 que autorizou a retomada do pagamento do auxílio a juízes de oito estados, até que o STF profira uma decisão final.
O Orçamento da União já prevê repasses anuais para pagamento de auxílio-alimentação aos servidores do TCU. Em 2011, os gastos chegaram a 23,1 milhões e, em 2012, a R$ 24 milhões. O crédito suplementar, com dinheiro remanejado do programa de fiscalização de recursos públicos, foi necessário em razão da autorização dos pagamentos retroativos aos ministros. Eles também passaram a receber mensalmente o auxílio, no valor de R$ 740,96. “Nos termos da legislação vigente, créditos suplementares são aqueles destinados a reforço de dotação orçamentária”, diz a assessoria de imprensa do TCU.
Veja abaixo os valores recebidos pelos ministros do TCU:
Ministros na ativa:
Marcos Bemquerer: R$ 57.217,47
Augusto Sherman: R$ 56.299,13
Valmir Campelo: R$ 55.803,15
Benjamin Zymler: R$ 52.241,71
Walton Alencar: R$ 48.317,52
Augusto Nardes: R$ 44.743,53
Raimundo Carreiro: R$ 38.253,13
Aroldo Cedraz: R$ 37.453,54
André Luís de Carvalho: R$ 28.949,32
Weder de Oliveira: R$ 21.767,66
José Jorge: R$ 20.659,13
José Múcio Filho: R$ 14.951,15
Total: R$ 476.656,44
Ministros aposentados:
Ubiratan Aguiar: R$ 55.844,02
Marcos Vinicios Vilaça: R$ 39.620,22
Guilherme Palmeira: R$ 34.767,77
Adylson Motta: R$ 15.860,31
Lincoln Magalhães da Rocha: R$ 13.478,31
Humberto Souto: R$ 322,04
Total: R$ 159.892,67
Fonte: O Globo
Anel com coração escrito Jesus
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