sábado, 4 de julho de 2015

o que é MAV?

MAV - MILITÂNCIA EM AMBIENTES VIRTUAIS, que o leitor vai conhecer em detalhes pelo relato do jornalista Demetrio Magnoli.

Inventada no 4º Congresso do PT, em 2011, a sigla significa Militância em Ambientes Virtuais. São núcleos de militantes treinados para operar na internet, em publicações e redes sociais, segundo orientações partidárias. A ordem é fabricar correntes volumosas de opinião articuladas em torno dos assuntos do momento. Um centro político define pautas, escolhe alvos e escreve uma coleção de frases básicas. Os militantes as difundem, com variações pequenas, multiplicando suas vozes pela produção em massa de pseudônimos. No fim do arco-íris, um Pensador Coletivo fala a mesma coisa em todos os lugares, fazendo-se passar por multidões de indivíduos anônimos. Você pode não saber o que é MAV, mas ele conversa com você todos os dias.
mav-1O Pensador Coletivo se preocupa imensamente com a crítica ao governo. Os sistemas políticos pluralistas estão sustentados pelo elogio da dissonância: a crítica é benéfica para o governo porque descortina problemas que não seriam enxergados num regime monolítico.

O Pensador Coletivo não concorda com esse princípio democrático: seu imperativo é rebater a crítica imediatamente, evitando que o vírus da dúvida se espalhe pelo tecido social. Uma tática preferencial é acusar o crítico de estar a serviço de interesses de malévolos terceiros: um partido adversário, "a mídia", "a burguesia", os EUA ou tudo isso junto. É que, por sua própria natureza, o Pensador Coletivo não crê na hipótese de existência da opinião individual.

O Pensador Coletivo abomina argumentos específicos. Seu centro político não tem tempo para refletir sobre textos críticos e formular réplicas substanciais. Os militantes difusores não têm a sofisticação intelectual indispensável para refrasear sentenças complexas. Você está diante do Pensador Coletivo quando se depara com fórmulas genéricas exibidas como refutações de argumentos específicos. O uso dos termos "elitista", "preconceituoso" e "privatizante", assim como suas variantes, é um forte indício de que seu interlocutor não é um indivíduo, mas o Pensador Coletivo.

O Pensador Coletivo interpreta o debate público como uma guerra. "A guerra de guerrilha na internet é a informação e a contrainformação", explica o deputado André Vargas, um chefe do MAV. No seu mundo ideal, os dissidentes seriam enxotados da praça pública. Como, no mundo real, eles circulam por aí, a alternativa é pregar-lhes o rótulo de "inimigos do povo". Você provavelmente conversa com o Pensador Coletivo quando, no lugar de uma resposta argumentada, encontra qualificativos desairosos dirigidos contra o autor de uma crítica cujo conteúdo é ignorado. "Direitista", "reacionário" e "racista" são as ofensas do manual, mas existem outras. Um expediente comum é adicionar ao impropério a acusação de que o crítico "dissemina o ódio".

O Pensador Coletivo é uma máquina política regida pela lógica da eficiência, não pela ética do intercâmbio de ideias. Por isso, ele nunca se deixa intimidar pela exigência de consistência argumentativa. Suzana Singer seguiu a cartilha do Pensador Coletivo ao rotular o colunista Reinaldo Azevedo como um "rottweiler feroz" para, na sequência, solicitar candidamente um "bom nível de conversa". Nesse passo, trocou a função de ombudsman da Folha pela de Censora de Opinião. Contudo, ela não pertence ao MAV. Os procedimentos do Pensador Coletivo estão disponíveis nas latas de lixo de nossa vida pública: mimetizá-los é, apenas, uma questão de gosto.

Existem similares ao MAV em outros partidos? O conceito do Pensador Coletivo ajusta-se melhor às correntes políticas que se acreditam possuidoras da chave da porta do Futuro. Mas, na era da internet, e na hora de uma campanha eleitoral, o invento será copiado. Pense nisso pelo lado bom: identificar robôs de opinião é um joguinho que tem a sua graça.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Aquilo que Cingapura tem de melhor e de pior

Lee Kuan Yew, o homem responsável pelo que Cingapura tem de melhor e de pior.


singapura Morreu ontem (23 de março de 2015), aos 91 anos de idade, Lee Kuan Yew, o homem responsável por implantar as reformas econômicas que fizeram com que Cingapura deixasse de ser um país de terceiro mundo — praticamente uma favela a céu aberto — e se transformasse em um país de primeiro mundo, com uma renda per capita muito superior à americana.

Yew desenvolveu o modelo de Cingapura por pura necessidade.  Além de não possuir recursos naturais, Cingapura não possuía nenhuma terra fértil na qual desenvolver atividades agrícolas.  Ou seja, não havia nem como plantar comida nem como extrair petróleo no país.  Logo, ele teve de recorrer ao comércio global.

A estratégia de Cingapura

Cingapura se tornou independente da Malásia em 1965.  Na verdade, o país foi praticamente expulso da Malásia.  À época, Cingapura era um país pobre e atrasado — uma mancha estéril, improdutiva e sombria em uma das mais perigosas regiões do mundo.  Com efeito, a renda per capita de Cingapura em 1965 seria equivalente à de um país como Angola ou Kosovo hoje, ajustada pela inflação.

No entanto, Cingapura contava com um líder, um fundador visionário: Lee Kuan Yew.  E ele tinha ideias claras sobre como modernizar o país. 

Sua estratégia continha os seguintes elementos:

Moeda forte e estável

O primeiro e mais crucial — sem o qual nada mais funciona — era uma moeda forte e estável.  Cingapura implantou um sistema de Currency Board, um regime monetário no qual não há política monetária e nem interferência política. 

Currency Board é o sistema que se utiliza quando se quer adotar uma genuína "âncora cambial", o que faz com que a moeda de um país se torne um mero substituto de uma moeda estrangeira.  Neste sistema, a moeda nacional é totalmente atrelada a uma moeda estrangeira (no caso de Cingapura, o dólar de Cingapura nasceu atrelado à libra esterlina, depois passou para o dólar, e depois para uma cesta de moedas), e a variação da base monetária nacional se dá de acordo com o saldo do balanço de pagamentos (saldo da quantidade de moeda estrangeira que entra e sai da economia nacional).

A única função de um Currency Board é trocar moeda nacional (que ele próprio emite) por moeda estrangeira, e vice versa, a uma taxa fixa

Neste sistema, não há nenhuma política monetária.  Todo o arranjo funciona como se estivesse no piloto automático.  A base monetária do país é igual à quantidade de reservas internacionais (no caso, a moeda adotada como âncora), e varia de acordo com a quantidade de moeda estrangeira que entra e sai da economia em decorrência das transações internacionais do país.  Quando há um superávit nas transações internacionais, a base monetária doméstica aumenta; quando há um déficit, diminui.

Quando a quantidade de moeda nacional é idêntica à quantidade de reservas internacionais, é impossível haver um ataque especulativo, pois seria impossível exaurir as reservas internacionais (a moeda nacional teria de ser toda mandada pra fora, algo por definição impossível).

O país que adota o Currency Board passa a funcionar como se fosse um estado do país emissor da moeda utilizada como âncora pelo Currency Board.  Para que tal sistema funcione plenamente, uma Caixa de Conversão (o Currency Board) é criada com a única missão de trocar moeda nacional (que ela própria emite) por moeda estrangeira, e vice versa, a uma taxa de câmbio estritamente fixa.  (Veja mais detalhes sobre Currency Boards aqui.) 

Um arranjo de câmbio fixo, para um país em desenvolvimento, é bastante superior a um arranjo de câmbio flutuante, pois gera estabilidade de longo prazo para os investimentos (os investidores sabem exatamente qual será a definição da moeda nos anos vindouros), acaba com as especulações e retira completamente das autoridades políticas do país a capacidade de fazer política monetária — e, consequentemente, de desvalorizar a moeda, o que afeta sensivelmente a taxa de retorno dos investidores estrangeiros.

Além de estabilizar a moeda, um Currency Board impõe forçosamente uma disciplina ao sistema bancário e às políticas fiscais do governo.  Para Cingapura, um Currency Board forneceu preços estáveis (uma das menores inflações de preço do mundo) e uma moeda plenamente segura e conversível, o que atraiu investimentos estrangeiros maciços.

Hoje, a autoridade monetária de Cingapura, embora não mais funcione como um Currency Board ortodoxo, tem como única função controlar o valor do dólar de Cingapura em relação a uma cesta de moedas das principais economias do mundo.  A autoridade monetária de Cingapura não controla juros; ela atua para garantir que o dólar de Cingapura mantenha um valor relativamente estável perante as principais moedas do mundo.

E o resultado é que de 1982 a 2005, o dólar de Cingapura foi a moeda que menos perdeu poder de compra no mundo, superando inclusive o franco suíço e o marco alemão.  (A partir de 2005 ela perde para o iene japonês, dado que o Japão entrou em uma longa estagnação e seus preços ficaram em zero durante quase uma década).

Nada de ajuda internacional

O segundo elemento foi a total ausência de ajuda estrangeira.  Lee Kuan Yew proibiu que o país mendigasse auxílio internacional.  Cingapura se recusou a aceitar ajuda estrangeira de todo e qualquer tipo. 

Essa é uma postura francamente oposta à de vários outros países em desenvolvimento, nos quais o que mais há são esquemas de corrupção em que políticos e burocratas tentando abiscoitar algum tipo de ajuda estrangeira, seja de alguma ONG internacional, de algum organismo internacional (como o FMI e o Banco Mundial), ou de algum governo.

Em contraste, placas em que se lê "Nada de ajuda estrangeira" ainda estão penduradas, figurativamente, em cada gabinete governamental de Cingapura.

Setor privado forte

O terceiro elemento foi o notável esforço de Cingapura em criar empresas privadas de excelência, com características de primeiro mundo e genuinamente competitivas no mercado global. 

Isso foi alcançado majoritariamente por meio de baixa tributação, burocracia quase inexistente e mínima regulação.  Tudo isso em conjunto com tarifas de importação nulas e livre comércio pleno (sistema idêntico ao adotado em Hong Kong). 

Baixa tributação, baixa regulação, burocracia quase inexistente, moeda forte e livre comércio pleno atraíram para Cingapura empresas de todas as regiões do globo — e fez com que as empresas privadas de Cingapura se tornassem tigres asiáticos.

Respeito à propriedade

O quarto elemento na estratégia de Cingapura foi uma ênfase na proteção à propriedade privada, na segurança pública, e na ordem pública. 

Neste quesito, no entanto, as coisas são mais nebulosas, como será mostrado mais abaixo.

Do terceiro ao primeiro mundo

Estes foram os quatro objetivos da estratégia de Lee Kuan Yew: moeda forte e estável, nada de ajudas estrangeiras, empresas privadas de primeiro mundo, plenamente competitivas, operando em um arranjo de livre comércio pleno e sem sofrer regulações onerosas, e um arranjo de lei e ordem.

E, para cumprir esses objetivos, o segredo da estratégia era ter um governo "pequeno" e transparente; um governo minimalista em termos econômicos, que não impunha complexidades e nem burocracia — daí a contínua presença de Cingapura no topo do ranking da Doing Business, entidade que mensura a facilidade de se empreender ao redor do mundo.

O gráfico abaixo mostra bem a evolução de um país que saiu do Terceiro Mundo e se converteu plenamente em uma das regiões mais ricas do planeta.  Ele mostra o impressionante êxito econômico de Cingapura, cuja renda per capita em dólares supera a dos EUA e a da Suécia, é o dobro da da Espanha e cinco vezes maior que a da vizinha Malásia, de quem Cingapura se separou (ou melhor, foi expulsa):

singapura1

Além de todas as características já citadas acima, vale ressaltar que o gasto público de Cingapura é a metade do americano, e um terço do sueco.

singapura2

A mente de Lee Kuan Yew

No entanto, nada mais justo e pertinente do que deixarmos que o próprio Lee Kuan Yew nos ofereça sua própria visão sobre como as sociedades prosperam e enriquecem.

O pai fundador de Cingapura se sentiu atraído, até os anos 1960, pelo socialismo inglês.  No entanto, felizmente, acabou descobrindo que a hipertrofia do estado não é o caminho adequado para o progresso:

Assim como Jawaharlal Nehru [o primeiro primeiro-ministro da Índia, de 1947 a 1964], no começo me senti influenciado pelas ideias do socialismo fabiano inglês.  No entanto, rapidamente me dei conta de que, para distribuir o bolo, é necessário antes fabricá-lo.  Por isso me distanciei da mentalidade do estado de bem-estar: ela minava o espírito empreendedor e impedia que uma pessoa se esforçasse para prosperar e seguir adiante.

Também abandonei o modelo de industrialização baseado na substituição de importações.  Enquanto a maioria dos países do Terceiro Mundo denunciava a exploração das multinacionais ocidentais, nós as convidamos todas para ir a Cingapura.  Desse modo conseguimos crescimento, tecnologia e conhecimento científico, os quais dispararam nossa produtividade de uma maneira mais intensa e acelerada do que qualquer outra política econômica alternativa poderia ter feito.

Lee Kuan Yew percebeu com clareza que a única maneira de um país sem recursos naturais como Cingapura ter alguma vantagem competitiva era se convertendo em uma região livre e segura no mercado global, uma região em que investidores pudessem investir e poupar sem medo de expropriações:

Somos o país com menos recursos naturais em toda a nossa região; portanto, só nos resta sermos honestos, eficientes e capazes.  [...] Cingapura tem as qualidades para ser a Chicago ou a Zurique da Ásia Oriental.

Para lograr tal feito, abraçou sem titubear a globalização:

Não nos esqueçamos de que o protecionismo e um menor comércio equivalem a um menor crescimento econômico para os países ainda em desenvolvimento.  [...]

Aproveitamos todas as vantagens que nos legaram os ingleses: o idioma, o sistema jurídico, a democracia parlamentarista e a administração imparcial.  Mas conseguimos evitar ceder ao charme do estado de bem-estar social.  Já vimos como um povo inteiro pode competir entre si para se afundar na miséria e na mediocridade.  As pessoas menos empreendedoras e trabalhadoras não podem ser igualadas ao resto à custa de piorar a situação das mais empreendedoras e esforçadas.  E também já vimos quão difícil é desmantelar um sistema de subsídios tão logo as pessoas se acostuma às benesses que o estado lhes proporciona.

A oposição de Lee Kwan Yew à desvairada expansão do estado de bem-estar social do Ocidente foi uma constante ao longo de toda a sua vida.  Seus princípios eram claros: uma coisa é ajudar quem realmente está necessitado; outra, bem diferente, é subsidiar o parasitismo:

O estado de bem-estar e os subsídios destroem a motivação para as pessoas se esforçarem e crescerem.  Se for para ajudar alguém, é preferível que seja dando-lhes algum ativo ou dinheiro e permitido que tenham total liberdade para decidir como gastá-lo.  Quando as pessoas se tornam dependentes dos subsídios e o estado não pode mais continuar lhes pagando, elas protestam.  Tornaram-se mal acostumadas.

É a sociedade civil, e não o estado, quem essencialmente tem de ajudar os mais desfavorecidos.  A missão do governo não é administrar monopolisticamente a filantropia de uma sociedade, mas sim não impedir seu florescimento:

O estado não pode substituir o calor pessoal e o contato direto das ajudas voluntárias.  Os sentimentos altruístas e filantrópicos motivam as pessoas a se ajudarem entre si.  Muitos estados ocidentais se converteram em burocracias esbanjadoras nas quais os funcionários públicos bem pagos não possuem esse indispensável sentimento de altruísmo e idealismo visto nos trabalhadores voluntários.

Cingapura, por conseguinte, não se especializou em redistribuir a renda, mas sim em atrair capital humano, capital físico e capital financeiro para impulsionar a prosperidade de todos:

Cingapura tem uma maioria chinesa; porém, não importa qual seja a sua raça, se você se unir a nós como cidadão, desfrutará dos mesmos direitos e oportunidades.  Em Cingapura, somos uma sociedade cosmopolita e aberta, que recebe de braços abertos o talento, pois é ele que nos permite continuar crescendo e prosperando.

Em vez de denegrir a figura do empreendedor, este é exaltado como o motor do crescimento e da inovação:

O sonho da riqueza atrai todos.  No entanto, somente aqueles que inovam e que sabem criar bens e serviços se tornam ricos.  São poucos os que nascem com uma aguçada mentalidade empresarial, e são ainda menos aqueles que triunfarão.  O êxito empresarial necessita de qualidades extraordinárias, como elevados níveis de energia, perspicácia para enxergar as oportunidades onde outros só veem problemas, e intuição para antecipar quais produtos ou serviços serão rentáveis.

À luz de tão excepcionais reflexões, estaríamos tentados a pensar que Lee Kuan Yew era o paradigma do político liberal no qual todos deveriam se inspirar.  Mas, infelizmente, não.  Lee Kuan Yew era um conservador pragmático que, em matéria econômica, havia entendido boa parte das regras do jogo, mas que, em matéria social, permaneceu ancorado a um intenso intervencionismo estatal.

Ele próprio se vangloriava de interferir na vida privada das pessoas para orientá-las a seguir o bom caminho.  Em termos sociais, suas ideias eram mais comunitárias do que liberais, e ele tinha uma noção particular de bem comum:

Na cultura americana, o interesse do indivíduo vem em primeiro lugar.  Isso transforma os EUA em uma sociedade agressivamente competitiva.  Em Cingapura, o interesse da sociedade vem antes do indivíduo.  Mas, ainda assim, Cingapura tem de ser competitiva no mercado de trabalho, e no de bens e serviços.

Uma das consequências dessa mentalidade é que Cingapura é hoje um estado que pratica a tortura de presos, que limita a liberdade de expressão e de imprensa, que mantém um serviço militar obrigatório e que proíbe as relações homossexuais.  A ordem pública é mantida rigidamente.  Há punições severas para pichações.  É proibido até mesmo mascar chicletes (só são permitidos chicletes terapêuticos com receita médica).  O governo pode encarcerar criminosos por tempo indefinido e sem julgamento.

Conclusão

Cingapura é, em muitos aspectos, um exemplo para o Ocidente.  Em outros, longe disso. 

O mesmo, no entanto, pode ser dito sobre o Ocidente para Cingapura: é um exemplo em muitas coisas, mas não em outras.

Felizmente, liberdade é algo que não tem de ser adquirida em um pacote conjunto.  A liberdade não é um comboque necessariamente tem de vir com concessões governamentais. 

Não é necessário optarmos entre a liberdade civil e a liberdade econômica quando podemos ter ambas: o Ocidente provou que a liberdade civil permite que as pessoas desenvolvam seus planos de vida sem se sentirem oprimidas por estados repressores ou pela intolerância de grupos organizados; já Cingapura provou que a liberdade econômica gerava um aumento formidável na prosperidade e na riqueza.

Por que, então, não podemos optar por ambas as manifestações de liberdade individual?  Esse é o programa ideológico dos libertários.

_________________________________

Autores:

Steve Hanke, professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA.  O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Leandro Roque, editor e tradutor do site do  Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Fonte: http://migre.me/qs2wN

domingo, 3 de maio de 2015

Centro Cínico – quem mentiu mais na Reforma da Paranaprevidência?

Previdência pública: o debate moral abafado

Por 31 votos a 20, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou na quarta-feira, dia 29 de abril, o projeto de Lei do governo que altera a Paranaprevidência. A entidade administra e paga as aposentadorias dos servidores públicos efetivos da Administração Estadual, além das pensões devidas a seus dependentes. Recebem pela Paranaprevidência os aposentados e pensionistas dos três poderes do Estado (Executivo, Judiciário e Legislativo), do Ministério Público e do Tribunal de Contas.

A exemplo de praticamente todas as entidades de previdência pública dos Estados brasileiros e da União, a Paranaprevidência enfrenta desde sua origem um problema muito simples: o valor total que arrecada com as contribuições dos servidores é insuficiente para o pagamento das aposentadorias e pensões sob sua responsabilidade. Ou seja, há o chamado desequilíbrio atuarial nas contas do ente.

Há mais de um motivo para o déficit no caixa das entidades de previdência pública do país, mas o principal sempre foi a necessidade de garantir aposentadoria integral aos servidores beneficiados.

Ao contrário da aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada (funcionários, donos de empresas, trabalhadores rurais, autônomos e profissionais liberais), que é paga pelo INSS e tem um valor máximo (hoje fixado em R$ 4.663,75), a aposentadoria pública foi concebida para corresponder ao salário percebido pelo servidor no cargo.

Como, em muitas situações, a capitalização das contribuições dos servidores fica aquém da aposentadoria a que fazem jus (especialmente no caso dos servidores que recebem salários mais elevados), a diferença precisa ser paga pelo Poder Público.

A medida não provocaria inquietação se os recursos do Poder Público não fossem oriundos dos tributos cobrados da população. Como a grande maioria da população não é composta por servidores públicos, os trabalhadores da iniciativa privada, na prática, acabam complementando o pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores.

O fato deveria despertar um enorme debate moral no Brasil, mas o assunto costuma ser abafado pelos sindicatos e associações de classe de funcionários públicos, que, ao menor sinal de opinião e ação contrárias, respondem com propaganda dramática e mobilização.

Assim, a retórica classista transforma privilégios em direitos, e qualquer proposta de alteração da legislação previdenciária é desqualificada, junto com seus proponentes. Ao mesmo tempo, quando necessário à defesa do ponto de vista das entidades de classe, a leniência do serviço público permite a reunião de grande número de manifestantes, a qualquer hora do dia ou dia da semana.

batalha

Centro Cívico de Curitiba, 29 de abril de 2015 (Foto: Joka Madruga / www.terrasemmales.com.br)

FHC, Lula e Dilma, unidos para reformar a previdência pública no país

Para diminuir o sacrifício dos cofres públicos com a previdência pública, o governo federal adotou uma série de medidas nos últimos anos. A primeira ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o Congresso Nacional aprovou a Emenda à Constituição (EC) nº 20, em 1998. A EC nº 20/1998 autorizou a aplicação do mesmo teto do INSS às aposentadorias dos servidores públicos que ingressassem no funcionalismo público federal a partir de então, embora tenha condicionado o início da limitação no pagamento dos benefícios à criação de uma previdência pública complementar, de contribuição facultativa.

A medida entrou em vigor em 2012, quando, durante o governo Dilma, a previdência complementar prevista pela EC nº 20/1998 foi instituída pela Lei nº 12.618/2012 para os novos servidores da União.

Antes, em 2003, no governo Lula, outra Emenda à Constituição (EC nº 41/2003) promovera nova reforma da previdência ao instituir a cobrança de contribuição previdenciária para inativos e pensionistas do país que recebessem benefícios superiores ao teto do INSS (a mudança já havia sido tentada por via infraconstitucional durante o governo FHC, mas acabou rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal).

Como o Paraná tratou do assunto

Buscando racionalizar a gestão da previdência pública estadual, o Estado do Paraná criou a Paranaprevidência em 1998.

Sob a concepção do engenheiro Renato Follador, a entidade repartiu seus recursos em dois fundos distintos. O primeiro, chamado fundo de previdência, assumiu o pagamento dos benefícios dos servidores ativos que, na data da publicação da lei instituidora da entidade (Lei nº 12.398/1998, publicada em 30 de dezembro de 1998), contavam com até 50 anos, no caso dos homens, e até 45 anos, no caso da mulheres.

O segundo, chamado fundo financeiro, assumiu o pagamento das aposentadorias dos servidores já inativos na ocasião e dos servidores que, embora em atividade, tivessem idade superior àquelas previstas para vinculação ao fundo de previdência.

Com a criação dos dois fundos, buscou-se permitir que ao menos um deles, o fundo de previdência, andasse com as próprias pernas e apresentasse equilíbrio atuarial. Como o fundo reuniria servidores mais novos, ainda não aposentados, o fundo poderia se capitalizar ao longo dos anos para, no futuro, honrar o pagamento das aposentadorias com seus próprios recursos.

Com o passar dos anos, a substituição progressiva da força ativa do Estado pelo ingresso de novos servidores acabaria por tornar o fundo de previdência o único existente na Paranaprevidência. Quando isso ocorresse, o fundo responderia por todos os benefícios pagos pela entidade. Até lá contudo, haveria tempo para capitalizá-lo ainda mais, especialmente pela adoção de outras medidas para o ingresso de recursos na Paranaprevidência, como a instituição do mesmo teto do INSS e a contribuição de inativos.

Enquanto isso, o fundo financeiro faria às vezes de uma espécie de bode expiatório da previdência no Estado. Marcado por um forte déficit, o fundo seria socorrido por aportes mensais do governo do Estado (no começo de 2015, esses aportes eram superiores a R$ 200 milhões por mês), até que o último benefício pago levasse à sua extinção.

Embora a concepção do Paranaprevidência tenha sido bastante elogiada e tenha produzido os resultados esperados em seus anos iniciais, o descompromisso posterior do Estado com a entidade e a falta de adoção de medidas necessárias ao combate do déficit da previdência acabaram comprometendo o seu sucesso.

Isso ocorreu especialmente a partir do governo Roberto Requião (2003-2010), que não apenas deixou de repassar valores devidos pelo Estado ao Paranaprevidência (em virtude de dificuldades no caixa do governo do Estado), como desrespeitou a Constituição Federal ao não instituir a cobrança previdenciária dos inativos. A conclusão foi apontada por diversos relatórios do Tribunal de Contas do Estado e noticiada fartamente pela imprensa e entidades de representação, como a insuspeita APP-Sindicato. Recentemente, o próprio engenheiro Renato Follador reforçou a afirmação em audiência na Câmara dos Deputados e em coluna publicada no jornal Gazeta do Povo.

No governo Beto Richa (2011 até os dias de hoje), a contribuição sobre inativos e pensionistas foi instituída e tentou-se estabelecer o mesmo teto do INSS para a aposentadoria dos novos servidores do Estado.

O notório e absoluto descontrole da gestão sobre as contas do Estado, contudo, levou a uma tentativa desesperada de reforma da previdência no início do ano. Sem dinheiro para pagar servidores e fornecedores, o governo encaminhou em fevereiro à Assembleia um projeto de Lei para extinguir o fundo financeiro da Paranaprevidência – e, com ele, todos os aportes mensais do governo na entidade. Todos os benefícios do Paranaprevidência passariam a ser pagos pelo fundo previdenciário.

O resultado da alteração era previsível: sobrecarregado com novas despesas, o fundo de previdência não só seria incapaz de pagar as novas aposentadorias, como deixaria de custear os benefícios para o qual fora criado.

Revoltados com o envio do projeto de lei à Assembleia (que ainda incluía originariamente a supressão de direitos remuneratórios da maior categoria de servidores do Estado, a dos professores), manifestantes invadiram o plenário da Casa Legislativa no dia 10 de fevereiro para evitar a votação.

Insistindo na aprovação do projeto, o governo do Estado reenviou os deputados da base aliada ao prédio da Assembleia Legislativa em um camburão, produzindo uma das mais patéticas cenas da história do Estado. Houve nova invasão da Assembleia, e o projeto foi definitivamente retirado de pauta.

batalha cofre

Previdência pública no país: o debate moral abafado

Quem mentiu mais no Centro Cívico em 29 de abril?

Foi nesse cenário de sacrifício de recursos do erário com a previdência pública, crise financeira nos cofres do Estado, crise moral no Palácio Iguaçu e na Assembleia Legislativa e forte oposição dos servidores públicos que o governo levou à votação no último dia 29 de abril um novo projeto de Lei para reformar a Paranaprevidência.

O projeto assumiu o nº 252/2015 e, embora tenha deixado de propor a extinção do fundo financeiro, buscou transferir ao fundo de previdência a responsabilidade pelo pagamento de 33.556 benefícios então custeados pelo primeiro fundo.

De acordo com cálculos do próprio governo, a medida isentaria o Poder Executivo da necessidade de realizar aportes mensais de R$ 142,5 milhões no fundo financeiro, o que produziria uma economia anual de aproximadamente R$ 1,5 bilhão ao cofres públicos. O dinheiro, certamente, seria empregado para salvar o combalido caixa do Poder Executivo.

O que aconteceu na data da votação do projeto, dia 29 de abril, já é conhecido e passará para a história: 1- para evitar uma nova invasão da Assembleia, os Poderes Legislativo e Executivo do Estado, embasados em uma decisão judicial, cercaram a Assembleia com cerca de 3 mil policiais militares; 2- mais de 20 mil servidores públicos do Estado e outros manifestantes se reuniram no Centro Cívico para protestar contra a votação; 3- os servidores foram convocados por sindicatos, à frente deles a APP-Sindicato, que representa a categoria dos professores da rede pública; 4- políticos de oposição, liderados pelos deputados estaduais do PT e pelos senadores Roberto Requião e Gleisi Hoffmann, engrossaram com desenvoltura o coro contra o projeto.

Continuando: 5- um grupo de manifestantes tentou furar o cordão de isolamento mantido pela policia militar e invadir a Assembleia; e 6- em reação, a polícia utilizou balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogênio contra os invasores e o resto da multidão, promovendo um massacre em Curitiba que resultou em mais de 200 feridos e que por pouco não se transformou em tragédia; 8- o projeto de Lei foi aprovado; e 9- as imagens do conflito rodaram o país e algumas partes do mundo, gerando enorme revolta contra o governo do Estado.

O que talvez tenha passado despercebido é que, na batalha do Centro Cívico, de todas as vítimas, a verdade talvez tenha sido a mais castigada.

Governador, deputados estaduais da base aliada, manifestantes radicais, sindicatos, políticos de oposição, todos, a seu modo, mentiram sobre o que de fato buscavam na capital do Estado.

Bancada do camburão chega à Assembleia em 12/02/2015 (Foto: Gazeta do Povo)

Bancada do camburão chega à Assembleia em 12/02/2015: quem não merece o mandato que exerce tem dificuldades para erguer a cabeça (Foto: Gazeta do Povo)

As mentiras de cada um

Beto Richa

Hors concours no bairro curitibano que já se acostumou chamar de Centro Cínico, o governo Beto Richa se reelegeu com uma campanha milionária (só os gastos declarados totalizaram R$ 26 milhões, de acordo com dados oficiais do TSE) turbinada com muito fisiologismo – a exemplo da aliança firmada com o deputado federal Ricardo Barros, vice-líder do governo Dilma e marido da atual vice-governadora.

Na campanha, o governo mentiu explicitamente, apresentando à população a figura de um Estado que simplesmente não existia. Com a reeleição garantida, revelou-se que o Estado se encontrava quebrado, sem dinheiro sequer para pagar o funcionalismo público. Vieram então as medidas de austeridade, principalmente o aumento generalizado de tributos e os projetos de reforma da Paranaprevidência.

Ou seja, por mais que haja justificativas para alterar a previdência pública no Paraná, o atual governo não age orientado por planejamento ou questões morais, mas, sim, por uma necessidade premente de captar recursos públicos para fazer frente às suas despesas ordinárias. Afirma-se com tranquilidade, assim, que o governo também mente ao afirmar que o projeto nº 252/2015 não alterará o equilíbrio atuarial da Paranaprevidência.

Soma-se a isso o enorme desgaste da imagem do governador provocado pelas recentes denúncias de corrupção envolvendo pessoas muito próximas. O escândalo tem potencial para levar ao impeachment de Beto Richa, caso se descubra que a arrecadação de fundos para sua campanha tenha resultado em valores muito maiores do que os declarados à Justiça Eleitoral, e que tais valores tenham sido obtidos a partir de ações não republicanas. Sorte a do governador é que o Paraná não tem instituições significativamente sérias, e que a eventual punição dos culpados tende a não ocorrer.

Deputados estaduais da base aliada

Quem já fez campanha política no país, como eu, sabe muito bem qual é o fator determinante nas eleições brasileiras: dinheiro. O dinheiro não apenas permite uma maior divulgação da candidatura, como também, e principalmente, é empregado na contratação de cabos eleitorais de luxo (especialmente vereadores e líderes comunitários) e compra de votos. Depois de passar por uma profunda experiência eleitoral Paraná adentro, estimo que ao menos 30% dos votos do Estado sejam comprados, literalmente (pois é, também precisamos de melhores cidadãos…).

As eleições, em grande parte, tornaram-se uma estratégia comercial de planejamento, marketing e assédio ao “consumidor”.

A grande maioria dos deputados que atualmente integra a Assembleia Legislativa só está ali porque gastou muito dinheiro em suas campanhas, empregando valores altíssimos, que frequentemente superam em muitas vezes o montante oficialmente declarado à Justiça Eleitoral. É por isso que boa parte da Assembleia, atualmente, pode ser dividida em duas categorias: a das meninas e meninos ricos mimados, com destaque para os filhos de políticos famosos do Paraná, e a dos velhacos históricos.

É por isso, também, que o nível da mediocridade e da irresponsabilidade de nossos representantes não tem limites. O episódio do camburão é emblemático: quem não faz por merecer o mandato que exerce tem grandes dificuldades para manter a cabeça erguida, não tem compromisso com a população e orienta-se apenas pela manutenção de seus privilégios.

batalha Alep

As duas maiores categorias representadas na Assembleia Legislativa do Paraná: os meninos mimados e os velhacos históricos (Foto: Pedro Ribeiro/ALEP)

Manifestantes radicais

Há outra coisa que conheço bem na política: as manifestações de rua. Na época de estudante, participei ativamente da política acadêmica na Universidade Federal do Paraná, e, depois de formado, estive em dezenas de manifestações pelas ruas de Curitiba, especialmente no Centro Cívico.

O que posso dizer é que, em boa parte das vezes, há muitos radicais envolvidos. Os destaques ficam com os integrantes da esquerda radical – quase sempre ligados à política secundarista e universitária – e com os anarquistas. Embora os dois grupos tenham ideais distintos, seus objetivos são muito semelhantes: produzir violência para desgastar o governo que combatem (todos os governos, no caso dos anarquistas).

Vejo e revejo as cenas do início da confusão de 29 de abril e não tenho qualquer dúvida na afirmação: quem começou o confronto foram alguns manifestantes, que partiram para cima da linha de contenção formada pela polícia militar à frente da Assembleia. Muitos deles portavam escudos improvisados. Outros vestiam panos embebidos em vinagre (uma medida para tentar anular o efeito do spray de pimenta e gás lacrimogênio cuja utilização pela polícia já davam como certa). Duvido que entre eles houvesse verdadeiros professores, ou, ao menos, professores de verdade.

A tropa de choque interveio com força desproporcional e provocou o massacre que presenciamos, ao usar bombas de borracha a esmo contra pessoas que protestavam pacificamente. O início da confusão, contudo, não foi provocado pela polícia.

Por conhecer muito bem as manifestações de rua, não tenho qualquer dúvida em outra afirmação: a Assembleia Legislativa do Paraná seria, de fato, invadida pelos manifestantes no último dia 29 de abril. Tem sido assim historicamente no Paraná desde a votação de um projeto de lei contrário à venda Copel durante o governo Jaime Lerner, em agosto de 2001. Em fevereiro, além disso, a Assembleia já havia sido “ocupada” (no jargão eufemístico dos manifestantes, frequentemente comprado pela imprensa) duas vezes.

A decisão judicial que autorizou o emprego de força policial no cerco da Assembleia, assim, não partiu de um exercício de adivinhação ilegal realizado pelo Poder Judiciário, mas de uma probabilidade concreta de incursão dos manifestantes no prédio da Assembleia.

batalha jornal

Edição do Jornal do Estado de 21/08/2001: Assembleia Legislativa do Paraná vota projeto popular contra a privatização da Copel. A presença policial é grande porque, alguns dias antes, a Assembleia havia sido invadida por manifestantes contrários à privatização (apesar do resultado da votação, a Copel acabou não sendo vendida).

Sindicatos

A absoluta maioria dos manifestantes que ocupavam o Centro Cívico no dia 29 de abril não leu e não gostou do projeto nº 252/2015. Ali estavam principalmente sob a convocação dos sindicatos dos servidores públicos, em especial da APP-Sindicato.

Também por experiência própria, aprendi outra coisa dolorosa, mas muito importante na vida: sindicatos de servidores públicos e associações de classe, em regra, têm atuação muito seletiva. Sindicatos e associações classistas movem o mundo quando o que está em jogo é a remuneração ou os benefícios de seus representados, mas não se preocupam com outras questões fundamentais do serviço público, como o combate à corrupção na esfera em que atuam ou a proteção a servidores perseguidos.

Algumas vezes, entidades de classe podem ser mais zelosos com o dinheiro próprio que o mais caricato capitalista.

Além disso, sindicatos costumam ter forte ligação com partidos de esquerda, principalmente o PT. A APP-Sindicato é exemplo acabado disso.

Assim, não se deve deixar seduzir pela retórica de sindicatos de servidores públicos. Quando um sindicato anuncia “defender o interesse público”, “proteger a democracia”, “evitar a destruição do Estado”, não dê o fato como pressuposto. Nunca…

Por fim, sindicatos são mestres na arte do drama e da propaganda. Sindicalistas já aprenderam há muito tempo que as grandes disputas políticas são vencidas menos pela justiça ou injustiça das medidas em discussão do que pelo apelo emocional e vitimização.

Tenho certeza, por exemplo, que, depois do que aconteceu no último dia 29 de abril, a aprovação da extensão do teto do INSS para o funcionalismo público no Paraná – o que é inequivocamente o certo a fazer, do ponto de vista moral, constitucional e atuarial – será muito mais difícil. Quando o assunto voltar à tona, com ele voltarão as imagens e as palavras de ordem do dia 29 de abril, ainda que não haja relação necessária entre o motivo dos protestos e a medida.

Retórica  sindical: desconfie sempre.

Retórica sindical: desconfie sempre.

Roberto Requião, Gleisi Hoffmann e outros políticos de oposição

Há certas pessoas de que desconfio por instinto. Se estou diante de um quadro azul, por exemplo, e ouço delas que o quadro tem de fato essa cor, começo a questionar minha conclusão.

Os senadores Roberto Requião e Gleisi Hoffmann são algumas dessas pessoas. A efusiva participação dos dois nos protestos contra a reforma da Paranaprevidência, com direito à presença VIP no prédio da Assembleia no dia da votação, portanto, também merece destaque no rol dos integrantes do Centro Cínico.

Roberto Requião, como vimos acima, não apenas não poderia protestar contra a reforma na Paranaprevidência, como, na qualidade de corresponsável pela situação das finanças do Estado e pelo déficit da entidade, deveria mesmo era auxiliar Beto Richa na tentativa de aprovação da medida. A propósito, é curioso notar que, ao final de seu mandato, Requião não apenas não contribuiu para aplacar o déficit da Paranaprevidência, como deixou o cargo recebendo uma aposentadoria especial imoral paga pelos contribuintes a ex-governadores do Estado.

Gleisi Hoffmann, por sua vez, integrou os governos petistas que reformaram a previdência pública no país com a adoção de medidas muito mais drásticas do que aquela aprovada no dia 29 de abril.

Outros políticos de oposição também merecem destaque, como alguns deputados estaduais do PT que, de alguma forma, previram o que viria a acontecer no dia da votação, como se tivessem ciência prévia de alguma deliberação sobre a tentativa de invasão da Assembleia.

Gleisi, Requião e Richa: o debate político no Paraná em maus lençois

Gleisi, Requião e Richa: o debate político em maus lençóis no Paraná

O debate político que precisamos

O dia 29 de abril ficará marcado para sempre na história do Paraná pela violência desmedida empregada pela polícia militar contra manifestantes pacíficos (e outros nem tanto). Mas a menos que façamos uma grande reflexão sobre o debate público que o Estado precisa, o dia 29 de abril será apenas mais um dia na tradicional política paranaense, marcada pela mentira, e na qual todos os participantes, independentemente do lado ocupado, costumam jogar para a torcida e apelar para a propaganda.

Já passou da hora de exigir do atores políticos do Estado clareza, inteligência, coragem e, principalmente, honestidade em seu trabalho e na defesa de suas teses e convicções (ainda que impopulares). As medidas certamente não produzirão consenso de ações e opiniões – porque, afinal, isso é simplesmente impossível no campo da política –, mas terão por resultado um debate político decente, que busque efetivamente o bem comum, e não a simples disputa por poder.

Fonte: http://homeromarchese.com.br/2015/05/03/centro-cinico-quem-mentiu-mais-na-reforma-da-paranaprevidencia/

Homero Marchese - @HomeroMarchese

quinta-feira, 19 de março de 2015

A mais maldita das heranças do PT

Mais brutal para o Partido dos Trabalhadores pode ser não a multidão que ocupou as ruas em 15 de março, mas aquela que já não sairia de casa para defendê-lo em dia nenhum.
 
O maior risco para o PT, para além do Governo e do atual mandato, talvez não seja a multidão que ocupou as ruas do Brasil, mas a que não estava lá. São os que não estavam nem no dia 13 de março, quando movimentos como CUT, Eliane BrumUNE e MST organizaram uma manifestação que, apesar de críticas a medidas de ajuste fiscal tomadas pelo Governo, defendia a presidente Dilma Rousseff. Nem estavam no já histórico domingo, 15 de março, quando centenas de milhares de pessoas aderiram aos protestos, em várias capitais e cidades do país, em manifestações contra Dilma Rousseff articuladas nas redes sociais da internet, com bandeiras que defendiam o fim da corrupção, o impeachment da presidente e até uma aterradora, ainda que minoritária, defesa da volta da ditadura. São os que já não sairiam de casa em dia nenhum empunhando uma bandeira do PT, mas que também não atenderiam ao chamado das forças de 15 de março, os que apontam que o partido perdeu a capacidade de representar um projeto de esquerda – e gente de esquerda. É essa herança do PT que o Brasil, muito mais do que o partido, precisará compreender. E é com ela que teremos de lidar durante muito mais tempo do que o desse mandato.

Tenho dúvidas sobre a tecla tão batida por esses dias do Brasil polarizado. Como se o país estivesse dividido em dois polos opostos e claros. Ou, como querem alguns, uma disputa de ricos contra pobres. Ou, como querem outros, entre os cidadãos contra a corrupção e os beneficiados pela corrupção. Ou entre os a favor e os contra o Governo. Acho que a narrativa da polarização serve muito bem a alguns interesses, mas pode ser falha para a interpretação da atual realidade do país. Se fosse simples assim, mesmo com a tese do impeachment nas ruas, ainda assim seria mais fácil para o PT.

Algumas considerações prévias. Se no segundo turno das eleições de 2014, Dilma Rousseff ganhou por uma pequena margem – 54.501.118 votos contra 51.041.155 de Aécio Neves –, não há dúvida de que ela ganhou. Foi democraticamente eleita, fato que deve ser respeitado acima de tudo. Não existe até esse momento nenhuma base para impeachment, instrumento traumático e seríssimo que não pode ser manipulado com leviandade, nem mesmo no discurso. Quem não gostou do resultado ou se arrependeu do voto, paciência, vai ter de esperar a próxima eleição. Os resultados valem também quando a gente não gosta deles. E tentar o contrário, sem base legal, é para irresponsáveis ou ignorantes ou golpistas.

No resultado das eleições ampliou-se a ressonância da tese de um país partido e polarizado. Mas não me parece ser possível esquecer que outros 37.279.085 brasileiros não escolheram nem Dilma nem Aécio, votando nulo ou branco e, a maior parte, se abstendo de votar. É muita gente – e é muita gente que não se sentia representada por nenhum dos dois candidatos, pelas mais variadas razões, à esquerda e também à direita, o que complica um pouco a tese da polarização. Além das divisões entre os que se polarizariam em um lado ou outro, há mais atores no jogo que não estão nem em um lado nem em outro. E não é tão fácil compreender o papel que desempenham. No mesmo sentido, pode ser muito arriscado acreditar que quem estava nos protestos neste domingo eram todos eleitores de Aécio Neves. A rua é, historicamente, o território das incertezas – e do incontrolável.

Na tese do Brasil polarizado, onde ficam os mais de 37 milhões que não votaram nem em Dilma nem em Aécio?

Há lastro na realidade para afirmar também que uma parte dos que só aderiram à Dilma Rousseff no segundo turno era composta por gente que acreditava em duas teses amplamente esgrimidas na internet às vésperas da votação: 1) a de que Dilma, assustada por quase ter perdido a eleição, em caso de vitória faria “uma guinada à esquerda”, retomando antigas bandeiras que fizeram do PT o PT; 2) a de votar em Dilma “para manter as conquistas sociais” e “evitar o mal maior”, então representado por Aécio e pelo PSDB. Para estes, Dilma Rousseff não era a melhor opção, apenas a menos ruim para o Brasil. E quem pretendia votar branco, anular o voto ou se abster seria uma espécie de traidor da esquerda e também do país e do povo brasileiro, ou ainda um covarde, acusações que ampliaram, às vésperas das eleições, a cisão entre pessoas que costumavam lutar lado a lado pelas mesmas causas. Neste caso, escolhia-se ignorar, acredito que mais por desespero eleitoral do que por convicção, que votar nulo, branco ou se abster também é um ato político.

Faz sentido suspeitar que uma fatia significativa destes que aderiram à Dilma apenas no segundo turno, que ou esperavam “uma guinada à esquerda” ou “evitar o mal maior”, ou ambos, decepcionaram-se com o seu voto depois da escolha de ministros como Kátia Abreu e Joaquim Levy, à direita no espectro político, assim como com medidas que afetaram os direitos dos trabalhadores. Assim, se a eleição fosse hoje, é provável que não votassem nela de novo. Esses arrependidos à esquerda aumentariam o número de eleitores que, pelas mais variadas razões, votaram em branco, anularam ou não compareceram às urnas, tornando maior o número de brasileiros que não se sentem representados por Dilma Rousseff e pelo PT, nem se sentiriam representados por Aécio Neves e pelo PSDB.

Esses arrependidos à esquerda, assim como todos aqueles que nem sequer cogitaram votar em Dilma Rousseff nem em Aécio Neves porque se situam à esquerda de ambos, tampouco se sentem identificados com qualquer um dos grupos que foi para as ruas no domingo contra a presidente. Para estes, não existe a menor possibilidade de ficar ao lado de figuras como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP) ou de defensores da ditadura militar ou mesmo de Paulinho da Força. Mas também não havia nenhuma possibilidade de andar junto com movimentos como CUT, UNE e MST, que para eles “pelegaram” quando o PT chegou ao poder: deixaram-se cooptar e esvaziaram-se de sentido, perdendo credibilidade e adesão em setores da sociedade que costumavam apoiá-los.

Não há hoje uma figura nacional para ocupar o lugar de representação da esquerda.

Essa parcela da esquerda – que envolve desde pessoas mais velhas, que historicamente apoiaram o PT, e muitos até que ajudaram a construí-lo, mas que se decepcionaram, assim como jovens filhos desse tempo, em que a ação política precisa ganhar horizontalidade e se construir de outra maneira e com múltiplos canais de participação efetiva – não encontrou nenhum candidato que a representasse. No primeiro turno, dividiram seus votos entre os pequenos partidos de esquerda, como o PSOL, ou votaram em Marina Silva, em especial por sua compreensão da questão ambiental como estratégica, num mundo confrontado com a mudança climática, mas votaram com dúvidas. No segundo turno, não se sentiram representados por nenhum dos candidatos.

Marina Silva foi quem chegou mais perto de ser uma figura com estatura nacional de representação desse grupo à esquerda, mais em 2010 do que em 2014. Mas fracassou na construção de uma alternativa realmente nova dentro da política partidária. Em parte por não ter conseguido registrar seu partido a tempo de concorrer às eleições, o que a fez compor com o PSB, sigla bastante complicadapara quem a apoiava, e assumir a cabeça de chapa por conta de uma tragédia que nem o mais fatalista poderia prever; em parte por conta da campanha mentirosa e de baixíssimo nível que o PT fez contra ela; em parte por equívocos de sua própria campanha, como a mudança do capítulo do programa em que falava de sua política para os LGBTs, recuo que, além de indigno, só ampliou e acentuou a desconfiança que muitos já tinham com relação à interferência de sua fé evangélica em questões caras como casamento homoafetivo e aborto; em parte porque escolheu ser menos ela mesma e mais uma candidata que supostamente seria palatável para estratos da população que precisava convencer. São muitas e complexas as razões.

O que aconteceu com Marina Silva em 2014 merece uma análise mais profunda. O fato é que, embora ela tenha ganhado, no primeiro turno de 2014, cerca de 2,5 milhões de votos a mais do que em 2010, seu capital político parece ter encolhido, e o partido que está construindo, a Rede Sustentabilidade, já sofreu deserções de peso. Talvez ela ainda tenha chance de recuperar o lugar que quase foi seu, mas não será fácil. Esse é um lugar vago nesse momento.

Há uma parcela politizada, à esquerda, que hoje não se sente representada nem pelo PT nem pelo PSDB, não participou de nenhum dos panelaços nem de nenhuma das duas grandes manifestações dos últimos dias, a de 15 de março várias vezes maior do que a do dia 13. É, porém, muito atuante politicamente em várias áreas e tem grande poder de articulação nas redes sociais. Não tenho como precisar seu tamanho, mas não é desprezível. É com essa parcela de brasileiros, que votou em Lula e no PT por décadas, mas que deixou de votar, ou de jovens que estão em movimentos horizontais apartidários, por causas específicas, que apontam o que de fato deveria preocupar o PT, porque esta era ou poderia ser a sua base, e foi perdida.

O partido das ruas perdeu as ruas porque acreditou que não precisava mais caminhar por elas.

A parcela de esquerda que não bateria panelas contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderia, aponta a falência do PT em seguir representando o que representou no passado. Aponta que, em algum momento, para muito além do Mensalão e da Lava Jato, o PT escolheu se perder da sua base histórica, numa mistura de pragmatismo com arrogância. É possível que o PT tenha deixado de entender o Brasil. Envelhecido, não da forma desejável, representada por aqueles que continuam curiosos em compreender e acompanhar as mudanças do mundo, mas envelhecido da pior forma, cimentando-se numa conjuntura histórica que já não existe. E que não voltará a existir. Essa aposta arriscada precisa que a economia vá sempre bem; quando vai mal, o chão desaparece.

Fico perplexa quando lideranças petistas, e mesmo Lula, perguntam-se, ainda que retoricamente, por que perderam as ruas. Ora, perderam porque o PT gira em falso. O partido das ruas perdeu as ruas – menos porque foi expulso, mais porque se esqueceu de caminhar por elas. Ou, pior, acreditou que não precisava mais. Nesse contexto, Dilma Rousseff é só a personagem trágica da história, porque em algum momento Lula, com o aval ativo ou omisso de todos os outros, achou que poderia eleger uma presidente que não gosta de fazer política. Estava certo a curto prazo, podia. Mas sempre há o dia seguinte.

Não adianta ficar repetindo que só bateu panela quem é da elite. Pode ter sido maior o barulho nos bairros nobres de São Paulo, por exemplo, mas basta um pequeno esforço de reportagem para constatar que houve batuque de panelas também em bairros das periferias. Ainda que as panelas batessem só nos bairros dos ricos e da classe média, não é um bom caminho desqualificar quem protesta, mesmo que você ou eu não concordemos com a mensagem, com termos como “sacada gourmet” ou “panelas Le Creuset”. Todos têm direito de protestar numa democracia e muitos dos que ridicularizam quem protestou pertencem à mesma classe média e talvez tenham uma ou outra panelinha Le Creuset ou até pagou algumas prestações a mais no apartamento para ter uma sacada gourmet, o que não deveria torná-los menos aptos nem a protestar nem a criticar o protesto.

Nos panelaços, só o que me pareceu inaceitável foi chamar a presidente de “vagabunda” ou de “vaca”, não apenas porque é fundamental respeitar o seu cargo e aqueles que a elegeram, mas também porque não se pode chamar nenhuma mulher dessa maneira. E, principalmente, porque o “vaca” e o “vagabunda” apontam a quebra do pacto civilizatório. É nesses xingamentos, janela a janela, que está colocado o rompimento dos limites, o esgarçamento do laço social. Assim como, no domingo de 15 de março, essa ruptura esteve colocada naqueles que defendiam a volta da ditadura. Não há desculpa para desconhecer que o regime civil militar que dominou o Brasil pela força por 21 anos torturou gente, inclusive crianças, e matou gente. Muita gente. Assim, essa defesa é inconstitucional e criminosa. Com isso, sim, precisamos nos preocupar, em vez de misturar tudo numa desqualificação rasteira. É urgente que a esquerda faça uma crítica (e uma autocrítica) consistente, se quiser ter alguma importância nesse momento agudo do país.

Tão ou mais importante do que a corrupção, que não foi inventada pelo PT no Brasil, é o fato de o partido ter traído algumas de suas bandeiras de identidade.
 
Também não adianta continuar afirmando que quem foi para as ruas é aquela fatia da população que é contra as conquistas sociais promovidas pelo governo Lula, que tirou da miséria milhões de brasileiros e fez com que outros milhões ascendessem ao que se chamou de classe C. Pessoas as quais é preciso respeitar mais pelo seu passado do que pelo seu presente ficaram repetindo na última semana que quem era contra o PT não gostava de pobres nos aeroportos ou estudando nas universidades, entre outras máximas. É fato que existem pessoas incomodadas com a mudança histórica que o PT reconhecidamente fez, mas dizer que toda oposição ao PT e ao Governo é composta por esse tipo de gente, ou é cegueira ou é má fé.

Num momento tão acirrado, todos que têm expressão pública precisam ter muito mais responsabilidade e cuidado para não aumentar ainda mais o clima de ódio – e disseminar preconceitos já se provou um caminho perigoso. Até a negação deve ter limites. E a negação é pior não para esses ricos caricatos, mas para o PT, que já passou da hora de se olhar no espelho com a intenção de se enxergar. De novo, esse discurso sem rastro na realidade apenas gira em falso e piora tudo. Mesmo para a propaganda e para o marketing, há limites para a falsificação da realidade. Se é para fazer publicidade, a boa é aquela capaz de captar os anseios do seu tempo.

É também por isso que me parece que o grande problema para o PT não é quem foi para as ruas no domingo, nem quem bateu panela, mas quem não fez nem uma coisa nem outra, mas também não tem a menor intenção de apoiá-lo, embora já o tenha feito no passado ou teria feito hoje se o PT tivesse respeitado as bandeiras do passado. Estes apontam o que o PT perdeu, o que já não é, o que possivelmente não possa voltar a ser.

O PT traiu algumas de suas bandeiras de identidade, aquelas que fazem com que em seu lugar seja preciso colocar máscaras que não se sustentam por muito tempo. Traiu não apenas por ter aderido à corrupção, que obviamente não foi inventada por ele na política brasileira, fato que não diminui em nada a sua responsabilidade. A sociedade brasileira, como qualquer um que anda por aí sabe, é corrupta da padaria da esquina ao Congresso. Mas ser um partido “ético” era um traço forte da construção concreta e simbólica do PT, era parte do seu rosto, e desmanchou-se. Embora ainda existam pessoas que merecem o máximo respeito no PT, assim como núcleos de resistência em determinadas áreas, secretarias e ministérios, e que precisam ser reconhecidos como tal, o partido traiu causas de base, aquelas que fazem com que se desconheça. Muitos dos que hoje deixaram de militar ou de apoiar o PT o fizeram para serem capazes de continuar defendendo o que o PT acreditava. Assim como compreenderam que o mundo atual exige interpretações mais complexas. Chamar a estes de traidores ou de fazer o jogo da direita é de uma boçalidade assombrosa. Até porque, para estes, o PT é a direita.

A síntese das contradições e das traições do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte.

A parcela à esquerda que preferiu ficar fora de manifestações a favor ou contra lembra que tão importante quando discutir a corrupção na Petrobras é debater a opção por combustíveis fósseis que a Petrobras representa, num momento em que o mundo precisa reduzir radicalmente suas emissões de gases do efeito estufa. Lembra que estimular a compra de carros como o Governo federal fez é contribuir com o transporte privado individual motorizado, em vez de investir na ampliação do transporte público coletivo, assim como no uso das bicicletas. É também ir na contramão ao piorar as condições ambientais e de mobilidade, que costumam mastigar a vida de milhares de brasileiros confinados por horas em trens e ônibus lotados num trânsito que não anda nas grandes cidades. Lembra ainda que estimular o consumo de energia elétrica, como o Governo fez, é uma irresponsabilidade não só econômica, mas socioambiental, já que os recursos são caros e finitos. Assim como olhar para o colapso da água visando apenas obras emergenciais, mas sem se preocupar com a mudança permanente de paradigma do consumo e sem se preocupar com o desmatamento tanto da floresta amazônica quanto do Cerrado quanto das nascentes do Sudeste e dos últimos redutos sobreviventes de Mata Atlântica fora e dentro das cidades é um erro monumental a médio e a longo prazos.

Os que não bateram panelas contra o PT e que não bateriam a favor lembram que a forma de ver o país (e o mundo) do lulismo pode ser excessivamente limitada para dar conta dos vários Brasis. Povos tradicionais e povos indígenas, por exemplo, não cabem nem na categoria “pobres” nem na categoria “trabalhadores”. Mas, ao fazer grandes hidrelétricas na Amazônia, ao ser o governo de Dilma Rousseff o que menos demarcou terras indígenas, assim como teve desempenho pífio na criação de reservas extrativistas e unidades de conservação, ao condenar os povos tradicionais ao etnocídio ou à expulsão para a periferia das cidades, é em pobres que são convertidos aqueles que nunca se viram nesses termos. Em parte, a construção objetiva e simbólica de Lula – e sua forma de ver o Brasil e o mundo – encarna essa contradição, que o PT não foi capaz nem quis ser capaz de superar no poder. Em vez de enfrentá-la, livrou-se dos que a apontavam, caso de Marina Silva.

O PT no Governo priorizou um projeto de desenvolvimento predatório, baseado em grandes obras, que deixou toda a complexidade socioambiental de fora. Escolha inadmissível num momento em que a ação do homem como causa do aquecimento global só é descartada por uma minoria de céticos do clima, na qual se inclui o atual ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, mais uma das inacreditáveis escolhas de Dilma Rousseff. A síntese das contradições – e também das traições – do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte. Sobre a usina hidrelétrica já pesa a denúncia de que só a construtora Camargo Corrêa teria pagado mais de R$ 100 milhões em propinas para o PT e para o PMDB. É para Belo Monte que o país precisaria olhar com muito mais atenção. É na Amazônia, onde o PT reproduziu a visão da ditadura ao olhar para a floresta como um corpo para a exploração, que as fraturas do partido ao chegar ao poder se mostram em toda a sua inteireza. E é também lá que a falácia de que quem critica o PT é porque não gosta de pobre vira uma piada perversa.

A sorte do PT é que a Amazônia é longe para a maioria da população e menos contada pela imprensa do que deveria, ou contada a partir de uma visão de mundo urbana que não reconhece no outro nem a diferença nem o direito de ser diferente. Do contrário, as barbaridades cometidas pelo PT contra os trabalhadores pobres, os povos indígenas e as populações tradicionais, e contra uma floresta estratégica para o clima, para o presente e para o futuro, seriam reconhecidas como o escândalo que de fato são. É também disso que se lembram aqueles que não gritaram contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderiam.

Lembram também que o PT não fez a reforma agrária; ficou aquém na saúde e na educação, transformando “Brasil, Pátria Educadora”num slogan natimorto; avançou muito pouco numa política para as drogas que vá além da proibição e da repressão, modelo que encarcera milhares de pequenos traficantes num sistema prisional sobre o qual o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já disse que “prefere morrer a cumprir pena”; cooptou grande parte dos movimentos sociais (que se deixaram cooptar por conveniência, é importante lembrar); priorizou a inclusão social pelo consumo, não pela cidadania; recuou em questões como o kit anti-homofobia e o aborto; se aliou ao que havia de mais viciado na política brasileira e aos velhos clãs do coronelismo, como os Sarney.

Isso é tão ou mais importante do que a corrupção, sobre a qual sempre se pode dizer que começou bem antes e atravessa a maioria dos partidos, o que também é verdade. Olhar com honestidade para esse cenário depois de mais de 12 anos de governo petista não significa deixar de reconhecer os enormes avanços que o PT no poder também representou. Mas os avanços não podem anular nem as traições, nem os retrocessos, nem as omissões, nem os erros. É preciso enfrentar a complexidade, por toda as razões e porque ela diz também sobre a falência do sistema político no qual o país está atolado, para muito além de um partido e de um mandato.

Há algo que o PT sequestrou de pelo menos duas gerações de esquerda e é essa a sua herança mais maldita. E a que vai marcar décadas, não um mandato. Tenho entrevistado pessoas que ajudaram a construir o PT, que fizeram dessa construção um projeto de vida, concentradas em lutas específicas. Essas pessoas se sentem traídas porque o partido rasgou suas causas e se colocou ao lado de seus algozes. Mas não traídas como alguém de 30 anos pode se sentir traído em seus últimos votos. Este tem tempo para construir um projeto a partir das novas experiências de participação política que se abrem nesse momento histórico muito particular. Os mais velhos, os que estiveram lá na fundação, não. Estes sentem-se traídos como alguém que não tem outra vida para construir e acreditar num novo projeto. É algo profundo e também brutal, é a própria vida que passa a girar em falso, e justamente no momento mais crucial dela, que é perto do fim ou pelo menos nas suas últimas décadas. É um fracasso também pessoal, o que suas palavras expressam é um testemunho de aniquilação. Algumas dessas pessoas choraram neste domingo, dentro de casa, ao assistir pela TV o PT perder as ruas, como se diante de um tipo de morte.

O sequestro dos sonhos de pelo menos duas gerações de esquerda é a herança mais maldita do PT, ainda por ser desvendada em toda a sua gama de sentidos para o futuro.
 
O PT, ao trair alguns de seus ideias mais caros, escavou um buraco no Brasil. Um bem grande, que ainda levará tempo para virar marca. Não adianta dizer que outros partidos se corromperam, que outros partidos recuaram, que outros partidos se aliaram a velhas e viciadas raposas políticas. É verdade. Mas o PT tinha um lugar único no espectro partidário da redemocratização, ocupava um imaginário muito particular num momento em que se precisava construir novos sentidos para o Brasil. Era o partido “diferente”. Quem acreditou no PT esperou muito mais dele, o que explica o tamanho da dor daqueles que se desfiliaram ou deixaram de militar no partido. A decepção é sempre proporcional à esperança que se tinha depositado naquele que nos decepciona.

É essa herança que precisamos entender melhor, para compreender qual é a profundidade do seu impacto no país. E também para pensar em como esse vácuo pode ser ocupado, possivelmente não mais por um partido, pelo menos não um nos moldes tradicionais. Como se sabe, o vácuo não se mantém. Quem acredita em bandeiras que o PT já teve precisa parar de brigar entre si – assim como de desqualificar todos os outros como “coxinhas” – e encontrar caminhos para ocupar esse espaço, porque o momento é limite. O PT deve à sociedade brasileira um ajuste de contas consigo mesmo, porque o discurso dos pobres contra ricos já virou fumaça. Não dá para continuar desconectado com a realidade, que é só uma forma estúpida de negação.

Para o PT, a herança mais maldita que carrega é o silêncio daqueles que um dia o apoiaram, no momento em que perde as ruas de forma apoteótica. O PT precisa acordar, sim. Mas a esquerda também.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista.
Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas.
Site:desacontecimentos.com
Email: elianebrum.coluna@gmail.com
Twitter:@brumelianebrum

Eliane Brum no EL PAÍS Brasil

domingo, 1 de março de 2015

NAÇÃO SUDESTE SUL - MOVIMENTOS SEPARATISTAS

separatismo3 Após dez anos do seu renascimento, profícuo é fazer uma avaliação retrospectiva do impacto gerado com a proposta secessionista no Brasil, especialmente do Sul, analisando seus erros e seus acertos.
Apesar de "escondida" pela mídia - que inclusive tudo fez para matá-la e desmoralizá-la - a verdade é que a questão separatista não está morta. Pelo contrário, está mais viva do que nunca. Solidificou-se em dimensão inabalável.
Esses dez anos foram suficientes para provar que a razão e a verdade acompanham os defensores da autodeterminação da região Sul, a Soberania do seu povo, libertando-o definitivamente dos grilhões da deformada federação que o aprisiona e frustra seu desenvolvimento potencial. Essa "prisão" frustra não só o homem em si mesmo. É mais grave: frustra o conjunto de todos os homens e mulheres, a sociedade. A maior vítima é a sociedade sulista, como nação e povo, como ser social e como ser nacional.
A premissa central da militância dessa histórica epopéia é que "o Brasil não deu certo". Avançando um pouco: não deu, não dá, nem nunca dará certo. Todavia não se limitam a esses dois lustros a demonstração desta verdade. Os próprios "festejados quinhentos anos do descobrimento" são suficientes e claros como a luz solar para concluir nessa direção. Nem mesmo os ingentes esforços da mídia serviçal ao "Sistema" conseguiram convencer e desmanchar a verdade. A tentativa de doutrinação das "mil maravilhas" foram levadas água abaixo. Ninguém acreditou nas mentiras.
Despiciendo é recordar e reproduzir números e estatísticas amplamente divulgadas "lá fora" - malgrado o silêncio ou pouco destaque dado pela mídia interna - que o Brasil ocupa as últimas e mais vexatórias posições, na classificação mundial, em questões como desigualdade social, concentração de renda, corrupção e criminalidade. Esse quadro nefasto é apontado por organizações internacionais idôneas. Sem dúvida é uma posição incômoda que envergonha qualquer pessoa ou povo frente a si mesmo e principalmente ante a comunidade internacional. Nem mesmo o "endeusamento" dos ídolos esportivos da mídia foi capaz de esconder essa vergonha. Mas nunca se cogite, por esse registro, que a intenção seria livrar o Sul desta maldita pecha. Ele é afetado do mesmo modo. A doença é generalizada. O sangue que corre nas veias da federação está irreversivelmente contaminado. Só há um remédio: o desmanche da federação mediante a autodeterminação dos seus povos.
Simplificadamente, isto significa que o Sul e todas as outras regiões são vítimas e ao mesmo tempo autores, no mínimo em cumplicidade com Brasília, da estupidez consagrada como preceito constitucional pétreo, pelo qual amarram-se entre si os diversos povos que integram a chamada República Federativa do Brasil, impedindo, pela pretensa indissolubilidade da união, que cada um desses povos pense e decida sobre o próprio destino. Nesse sentido a federação nega aos seus povos prisioneiros o direito de pensar o futuro com a própria cabeça e percorrê-lo com suas próprias pernas.
Brasília tem o monopólio do direito de quase tudo. Pessoas, Estados e Regiões não têm o direito de usarem os próprios olhos, ouvidos, narizes e bocas, muito menos as próprias inteligências. A capital federal se encarrega de olhar, ouvir, cheirar, falar e pensar, "em nome do povo". Resta à sociedade civil, governantes e parlamentares estaduais e municipais, o "direito" de ficarem quietos, obedecer e fornecer a mão-de-obra braçal. Por essa via se explica razoavelmente o fato de residir na capital federal a maior renda per capita do país, mesmo produzindo quase nada. É a grande parasita, predadora da sociedade civil.
A fim de evitar-se mal-entendidos e ao mesmo tempo desmanchar a versão maliciosa dada por certa imprensa, é bom deixar claro desde logo que o mesmo direito à independência invocado pelo Sul também assiste aos povos das outras regiões, dos outros "brasis". Porém é direito exclusivo de cada povo avaliar seus motivos e então decidir o rumo a ser tomado. O Sul já pensou e está decidido: o caminho é a autodeterminação. Em uma avaliação isenta, sem intuito de qualquer interferência, observa-se que a chama independentista também ressurgiu forte no valoroso povo do Nordeste, que apresenta todos os requisitos de nacionalidade e povo próprio. Desde o momento em que essa consciência aflorasse no povo, livrando-o dos mitos, tabús, superstições e preconceitos nele inculcados através dos séculos, o povo nordestino certamente não mais titubearia em também proclamar sua autodeterminação, rumo a patamares superiores de desenvolvimento. Essa proposta, aliás, não constitui nenhuma novidade no Nordeste. Diversos prefeitos, vereadores e deputados da região defenderam a independência nordestina. Em 1983 a cantora Elba Ramalho "sacudiu" a alma da região, fazendo muito sucesso com a música "Nordeste Independente". A excursão repetiu-se em 1992, com igual sucesso.
Não ficando nada a dever ao Sul, o Nordeste contribuiu com essa polêmica, emprestando o nome de um de seus mais ilustres intelectuais, o paraibano Alyrio Wanderley, que em 1935 já enxergava a inevitável e irreversível falência brasileira, escrevendo o livro "As bases do separatismo", provavelmente um dos mais completos sobre esse palpitante tema, ao lado de um mais recente, também completo, de autoria do paulista J. Nascimento Franco, "Fundamentos do Separatismo" ( Ed. Pannartz, 1994).
O ilustre intelectual nordestino traz à tona um argumento mortal que, somado a outros, reforça a convicção sobre a fatalidade do desmembramento do Brasil, conforme as vocações e acordos regionais. É o que chama de lei da Cissiparidade (Anexo).
O Nordeste tem história. Tem passado. Praticou secessão bem antes da própria Revolução Farroupilha (de 1835). A República de Pernambuco (Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte), de 1817, é prova.
Em 1824 estourou outra sedição, comandada pelo governador pernambucano, recebendo adesão das províncias do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas, donde surgiu a Confederação do Equador. Mas o Império reagiu e venceu. Muitos foram executados, dentre eles Frei Caneca. A Confederação do Equador tinha caráter nitidamente secessionista.
Por seu turno, a Inconfidência Mineira, eclodida em Vila Rica (1789), nunca visou o "todo". Restringiu-se ao seu rincão. Buscou implantar a República de Minas Gerais, integrada por algumas capitanias vizinhas. Teve caráter nitidamente secessionista. Tiradentes pagou com a vida por enxergar o iminente fracasso a que o Brasil estava destinado.
Colocadas essas premissas, ou seja, a igualdade de direitos de todas as regiões e seus povos, a conclusão é que assim como o Sul já tomou a sua decisão, igual reflexão cabe aos demais povos formadores do Brasil, sem pressões nem interferências de quaisquer espécies. Os povos não estão atrelados a donos nem a senhores, cabendo unicamente às suas populações o direito de decidir. Nem mesmo Brasília possui qualquer poder de mando, apesar de suas leis carcerárias e de sediar a cúpula dos Três Poderes, cujos papéis, dentre outros, é garantir o "status quo" reinante.
Se bem examinado, os arquitetos da federação foram geniais na sua obra. A concentração de poderes em Brasília é de tal magnitude que nega a própria federação que está no "papel". Muito pouco resta aos Estados e Municípios. Forjaram está federação com tamanha esperteza e malícia que difícil é concluir que esta montagem na verdade não passa de um engodo, uma mistura, bem urdida, de totalitarismo, tirania e absolutismo. E tudo isso sob a máscara da República, da Federação, da liberdade e do próprio Estado-de-direito.
Mas os Três Poderes protegem-se reciprocamente. Na realidade corromperam o modelo imaginado por Aristóteles e mais tarde desenvolvido por Montesquieu, ou seja, a harmonia e independência dos poderes, o sistema de "freios e contrapesos", assim chamado pelos constitucionalistas norte-americanos. Desse modo, os poderes executivo, legislativo e judiciário resumem-se a um "conchavo" de proteção triangular. Nas suas esferas competenciais, mandam em todos os povos que ainda formam a federação. Isso porque os poderes executivo e legislativo centrais fazem e executam as leis mais importantes; e os tribunais superiores é que têm a última palavra nas demandas judiciais. Que espécie de autonomia estadual é essa? Na verdade não merece ser chamada de autonomia - principal característica do regime federativo - o direito dos Estados fixarem regras meramente secundárias ou reformáveis.
Assim, os impotentes governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores não conseguem fazer muito, mesmo que eventualmente estejam dispostos a melhorar a coisa pública. Motivo: os grandes poderes da federação residem na capital federal. Basta conferir a Constituição.
Isso tudo significa que mediante suas minguadas competências residuais os Estados e Municípios não conseguem interferir nos assuntos mais importantes das sociedades locais. Mas não é nada raro que esses agentes "vassalos" da política da federação prometam toda espécie de mudanças nas suas campanhas eleitorais, promessas que, evidentemente, jamais serão cumpridas. Resumindo: existe uma cumplicidade generalizada.
Todas as Regiões da atual República Federativa brasileira são prejudicadas pela infeliz união forçada que lhes impuseram, e, mais ainda, pelas correntes centrais que as unem num só ponto. Seria útil, sem dúvida, a ajuda recíproca e a troca de idéias para fortalecerem-se mutuamente no enfrentamento da opressão a que estão sujeitas.
Mostrar-se-ia, assim, ao Mundo, que todos os povos do atual Brasil desejam ser fraternos entre si, respeitam-se e acreditam não só nas próprias liberdades e potencialidades, mas também nas dos demais. Respeitam, em última análise, reciprocamente, o direito sagrado à autodeterminação de cada um, à independência e à soberania. Em suma: às suas capacidades de construir um país melhor. Essa é a verdadeira fraternidade. Não há amor na escravidão nem na submissão. Só a liberdade produz amor. Quem não respeita a liberdade própria e a dos outros não ama e não merece ser amado. A união forçada nunca gera amor. Por isso a fraternidade não é a regra tampouco o amor a principal característica entre as Regiões hoje amarradas umas às outras e todas presas ao centro político e jurídico dos "brasis". Mediante a libertação de todas essas amarras certamente o desamor se transformará em amor e a indiferença em fraternidade. Esta será a verdadeira união.
Na realidade a união forçada entre os diversos Estados ou Regiões brasileiras provoca hoje, como ontem, verdadeiras guerras de interesses (fiscais, econômicas, políticas, etc.). Em nome da união formal pratica-se a mais repulsante desunião informal. E a convivência "unida" de pessoas, sociedades ou povos, sem livre consentimento e mediante submissão, não produz amor nem fraternidade. É puro sadomasoquismo. É gostar de sofrer e causar sofrimento nos outros. Somente os cegos de espírito não enxergam que a união preconizada nas leis nunca funcionou.
Mas a experiência do mundo mostra que os povos independentes, soberanos, podem conviver entre si em paz, harmonia e prosperidade, numa verdadeira união. Países de primeiro mundo integram a União Européia. Respeitadas as respectivas soberanias, a união e harmonia nas suas relações sociais, políticas e econômicas, dentre outras, é imensamente maior que entre os Estados federados brasileiros. Assim eles praticam a verdadeira união, que funciona bem somente porque é consensual. E não é indissolúvel.
Pasmem, portanto, povos de todos os "brasis". A conclusão quase estarrece. Porém tem fundamento em pura lógica. Em verdadeiro silogismo. Seu resultado consiste em afirmar que mais separatista é aquele que não admite em hipótese alguma o desmembramento de um país plurinacional, fictício e que não deu certo. Mais separatista é quem inadmite a autodeterminação dos seus povos. Essa convivência forçada entre os povos e regiões, ao arrepio das próprias histórias, com prejuízo para todos, é que consiste na verdadeira separação. Portanto o Brasil é ligado por laços de amor "necrófilo".
Pelo contrário, os defensores da autodeterminação dos seus povos e regiões, nessa linha de raciocínio, são na verdade mais unionistas, que separatistas. Querem ver a verdadeira união, consensual, apesar de praticada numa configuração jurídica e política diferente. Com liberdade. Por tais motivos, mais consentâneo com a realidade será chamar de independentista ou autodeterminista aquele que usualmente é tido como separatista, cujo intento é lutar pela soberania do próprio povo.

A CHAMA INDEPENDENTISTA NO SUL
A partir da fundação de diversos movimentos independentistas no Sul, desde o início dos anos 90, começaram a se encontrar os simpatizantes dessa idéia espalhados por todos os rincões. A idéia central, que na verdade é bastante antiga, tomou corpo e alma coletiva, deixando de ser discutida e restrita a pequenos círculos para atingir em cheio a grande massa. Ninguém supunha então que ela fosse tão forte. Nem mesmo os próprios independentistas tinham consciência que havia tantos outros independentistas.
Essa realidade é motivo de alento. Mostra que a sociedade não está tão alienada, como afirmam os mais céticos, ao discorrerem sobre o fracasso da sociedade como organização.
A discussão autodeterminista, ou independentista, na verdade está fazendo despertar um Novo Homem, outrora oculto nas profundezas de cada um, muitas vezes sem mesmo sabê-lo. Muito antes da questão independentista propriamente dita, portanto, está a transformação do homem, e, por isso, da própria sociedade. Esse salutar despertar que surge forte como um relâmpago no horizonte da história, contrasta com as características mais marcantes do velho Homem, produto da velha sociedade, sem futuro, anacrônica. Significa dizer, em última instância, que esse novo homem está conseguindo se libertar da condição humilhante de simples espectador da história que lhe mata a vida "viva" e joga sua esperança por melhores dias na lata do lixo da desesperança e da ilusão. Que lhe coloca mordaça na mente, olhos, ouvidos, nariz e boca; que o faz mero objeto da história e lhe rouba a condição que deveria ter: a de sujeito.
Significa, sobretudo, uma prova inegável que o homem pode deixar de ser submisso, servil e passivo ante os acontecimentos que se avizinham e lhe dão as diretrizes de vida; que o tornam impotente para alterar o rumo da história que o amassa e frustra como ser humano individual e coletivo. Sem dúvida, é preciso romper com a velha sociedade, sem futuro, que fez emergir do seu ventre contaminado uma classe política constituída, em grande parte, pela pior escória da sociedade. Na nova sociedade esta gente desprezível será banida para sempre. Justifica-se, portanto, o combate e a repulsa que esse tipo de gente faz à autoderterminação: é questão de autodefesa.
A causa independentista significa também a busca da própria identidade, tanto como ser individual, quanto ser social e coletivo. É a busca, portanto, do "eu" nacional. Nesse sentido, muito antes de simples remarcação de fronteiras geográficas, está a busca das fronteiras do próprio eu. E dentro da concepção que a nacionalidade é fenômeno subjetivo, psicossociológico, esse mesmo povo tem uma nacionalidade específica, diferente dos outros povos dos "brasis", apesar de constar uma errônea nacionalidade nas carteiras de identidade forjadas no ordenamento jurídico.
Com efeito, uma sociedade velha que não propicia qualquer perspectiva de plena realização do ser humano não pode ser mantida. Significa dizer que podem e devem ser desfeitas quaisquer sociedades fracassadas. Não importa o tipo de sociedade, seja ela comercial, civil, conjugal ou mesmo nacional, ainda mais, neste último caso, quando fictícia e forjada na contramão da história de cada povo. E a sociedade pseudonacional a que o Sul está amarrado por arranjos antigos entre as coroas de além-mar, nunca teve, não tem e jamais terá as mínimas condições de realizar o elemento humano como ser individual e ao mesmo tempo social, ou seja, como indivíduo integral. Somente o egoísta e o amoral poderão sentir-se realizados nesta sociedade cruel, mesmo que pessoalmente tenham boa situação de vida material. É difícil compreender como uma pessoa pode sentir-se realizada quando o mundo que a cerca é de trevas.
Dentro dessa linha de raciocínio, portanto, a luta autodeterminista é acima de tudo uma luta pela realização integral do homem sulista em busca da sua própria identidade nacional. É nesse novo palco que as potencialidades humanas individuais e coletivas poderão prosperar e realizarem-se.
Assim, de forma alguma a República Federativa do Brasil pode ser entendida como uma verdadeira e única nação. Ela é um Estado Plurinacional, não Nacional, e que retira a liberdade dos seus povos nacionais, abandonando-os à indiferença. Afinal, quem foi que ditou essa pretensa "Nacionalidade Brasileira"? Porventura foi o próprio povo? Porventura ela não foi imposta aos povos por acordos palacianos lá de fora? Não seria direito dos povos reverem esta vergonhosa e insustentável situação? Não teriam eles direito a participar da definição da própria nacionalidade? Não seria direito de cada povo constituir-se em Estado Soberano? Ou devem os povos deixar de herança para suas descendências algo que, além de indigno e sem futuro, afronta os mais básicos princípios morais?
A "soberania" brasileira, desligando-se de Portugal, deu-se em um território povoado, já definido por outros em diversos tratados. Foi, assim, uma medida política, jurídica e familiar totalmente divorciada de qualquer alicerce social. A história mostra com clareza que a situação gerada por essa medida não se consolidou no tempo de maneira a justificar o nascimento de uma só nação. Empregando diferentes palavras, é o que afirma o jurista Raymundo Faoro, ex-presidente da OAB (Revista Isto É-Senhor, nº 1164, p. 8): "O Brasil é, assim, um Estado mais geográfico do que histórico. A dimensão é a da geografia e não da História". Mais contundente é afirmação de outro jurista, J. Nascimento Franco (em "Fundamentos do Separatismo", p. 11): "Alinho-me entre os que entendem que o Brasil é um equívoco de Portugal".
A nacionalidade não é direito recebido como "presente", por outorga de outrem, não importa a origem. Pelo contrário, nacionalidade é conquista geralmente obtida através de muitas lutas, estando profundamente assentada na alma, integrando o indivíduo tanto quanto a própria personalidade. Isso significa que ninguém tem o direito de ditar personalidade ou nacionalidade a alguém, ou a qualquer povo. Nem mesmo as leis. Nacionalidade significa um elo forte entre pessoas que têm traços culturais comuns, usos, costumes, tradições, valores, habitat, sofrimentos e alegrias semelhantes. Nem mesmo a heterogeneidade biológica racial se apresenta como fator impeditivo nos pressupostos essenciais de formação da nacionalidade.
Nesse sentido a "raça" sulista, por exemplo, dentre outras, deve ser entendida dentro da concepção psicossociológica e de afinidade de ordem moral. Vários "sangues" compõem essa raça, essa nacionalidade. É isso que é nacionalidade. Ela nasce pela convivência sadia e integração através dos séculos. E não pelas leis, constituições, tribunais e tratados políticos. Se assim não fosse, estar-se-ia roubando o direito à própria personalidade, ao eu individual e coletivo, à autêntica nacionalidade.
As mais profundas raízes autodeterministas não assentam numa postura irracional e imotivada. Elas se ligam racionalmente aos mais legítimos interesses coletivos, sobrepondo-se à própria unidade do Estado. Acima de tudo está o convencimento de que o Estado deve servir o homem e jamais servir-se dele. Nem solapar o povo. A "construção" do Estado, além dos requisitos naturais que posteriormente serão abordados, deve conter a conveniência coletiva. Tornar o Estado um instrumento, um meio tendo a sociedade como seu único fim, é pressuposto do qual os independentistas não abrem mão.
Assim, o Estado, como instrumento e meio da sociedade, deve ser construído como uma ferramenta eficaz. E a vida cotidiana prova que uma ferramenta inteligentemente projetada e construída é sempre bem melhor.
Todavia é preciso ser grande e esforçar-se para escapar da dominação do "Sistema", que protege algo que não deu certo e está a serviço de poucos. Os fracos de espírito jamais conseguirão e viverão eternamente ajoelhados.
Mas, afinal, existe alguma razão sólida que impeça rediscutir a realidade como um todo, inclusive fronteiras políticas e jurídicas entre nacionalidades diferentes? O que chama muita atenção é a surpreendente ausência de contra-argumentos válidos para rebater à altura os robustos argumentos independentistas. Como não se ouviu nenhum até hoje, é de se suspeitar que nem mesmo surgirão. O que se tem visto, ouvido e lido, não passam de razões "sentimentais", com muita lágrima imotivada, algumas de "crocodilo", somadas a mitos, tabus, superstições, preconceitos e, sobretudo, patriotismos burros e vazios, inculcados na mente pública pelos dominadores culturais e sua mídia, e que se manifestam quase que exclusivamente em competições desportivas.
Somados a esses entraves, muitos descartam qualquer discussão sobre o tema por motivos bem apanhados na psicanálise social de Erich Fromm. É a "segurança" que o indivíduo sente ao sentar-se no colo de um país com grande superfície territorial, mesmo às vezes não "tendo" nada e "sendo" menos ainda. Em suma: é o medo da liberdade.
Mas, aos poucos, as resistências estão sendo vencidas. Os povos acabarão se libertando dos mitos e tabús a que estão sujeitos e ajudam a aprisioná-los mais ainda. Abandonarão para sempre a mentira da unidade. Isso já está acontecendo. Será melhor para todos.
A resistência ao movimento autodeterminista, portanto, não está propriamente nos povos que ainda não aderiram à heróica causa. A resistência fanática reside na estupidez dos falsos "patriotas" que não querem este tipo de reforma, por interesses próprios ou daqueles a quem servem. O poder dessa resistência é tão forte que ela se arvora em dona da opinião pública, com alguma razão, é claro, já que apenas as suas vozes e versões possuem espaço na mídia escrita e falada, grandes caixas de ressonância da sociedade. Assim, têm razão aqueles que afirmam que comunicação e poder andam no mesmo trilho. Na questão separatista, por exemplo, salvo a imprensa independente do interior, a grande mídia tem por hábito a tentativa de desmoralização desta alternativa.
Os partidários da independência sulista, por exemplo, só buscam mudança mais forte de um modelo que consabidamente "não deu certo". Mas quase nenhum espaço conseguem para divulgar essa idéia na sua grandeza. E freqüentemente, quando acontece a exceção, os dominadores da comunicação sempre dão um "jeitinho" de colocar tudo às avessas, procurando desmoralizar algo muito sério e colocar a opinião pública contra o Movimento. Realmente, a ditadura da opinião é a arma covarde usada contra o independentismo. E independentismo verdadeiro é exatamente o oposto que "eles" tentam inserir na mente das pessoas, seja distorcendo pensamentos, seja buscando-os exatamente em fontes que não refletem o verdadeiro espírito da causa.
O independentismo autêntico tem berço no amor por todos os povos, reconhecendo o inalienável direito à autodeterminação. Nessa linha de raciocínio, nenhum povo é melhor ou pior que outro. Se o Sul e as outras Regiões querem separar-se, e libertarem-se do jugo central, não significa nenhuma animosidade. Significa, isso sim, amor e ao mesmo tempo credibilidade que cada um terá competência de "fazer-se" melhor sem interferência do outro. Com a independência, as relações vigorantes que hoje são neutras, e às vezes até hostis, certamente tornar-se-ão mais saudáveis e benéficas para todos.
Essa mobilização não é impensada. Tem fundações na ciência moderna, a partir da concepção do direito das gentes, dos direitos subjetivos públicos, do direito natural e da teoria do livre arbítrio dos povos, inspiradora da própria Revolução Francesa, dentre outras teorias.
Ao contrário do que possa parecer em uma análise superficial, a independência seria mais benéfica para as Regiões mais pobres do que para as mais ricas. Desenvolve-se uma consciência, já cultivada no passado, no sentido de que a prosperidade somente será alcançada desde o momento em que pensarem, decidirem e executarem, por si mesmas, seus destinos. Todas têm potencialidades quase ilimitadas, tanto naturais quanto humanas.
Algumas manifestações rancorosas de pessoas menos avisadas do Norte e Nordeste contra o sentimento independentista do Sul, que a grande imprensa faz questão de "aperfeiçoar", em busca da "sua" verdade, não passam de reações naturais, produto de uma armadilha bem montada por gente muito mal-intencionada com a verdade. Mas o futuro próximo provará que as relações entre os diversos povos que ainda compõe o Brasil, desde o momento das suas independências, serão bem melhores.
Esse fenômeno ocorre muitas vezes nas sociedades de vida em comum entre homem e mulher, que "não deram certo". Mediante a separação os problemas conflituais desaparecem e a paz e prosperidade voltam a reinar na vida de ambos. Investigar culpas não leva a nada. O problema está na vida em comum, que entre certos pares ou povos "não dá certo".
Frequentemente, na união conjugal, as pessoas ligadas por este pacto, individualmente, têm enormes potencialidades, que não se desenvolvem devido aos entraves oriundos dessa "união". Esse mesmo fenômeno marca presença na união entre diferentes povos.
Além de possuir uma concepção equivocada da realidade, algumas manifestações ofensivas, de pessoas oriundas de algumas Regiões, negando o direito à independência à outras Regiões, que não lhes dizem respeito, possuem outra explicação. Elas sentem-se, como forma de dizer, "donas" de uma nação que sequer existe (ou existiu). Talvez isso decorra da mais estapafúrdia visão do mundo TER de existência, essencialmente possessiva, em detrimento do mundo SER de existência. Mas, mesmo que fosse válida a concepção de ordem dominial do indivíduo sobre o Estado, como se fosse "sua" propriedade, essa seria uma espécie de propriedade "em condomínio", uma fração de direito sobre a propriedade (do Estado) "pro indiviso", ou seja, todos são proprietários em comum do todo. Mas o próprio direito privado admite em certas circunstâncias a "divisão" da propriedade em comum. Se por um lado o território do Estado vai "diminuir", mediante a independência de frações, por outro ele ficaria com um menor número de "proprietários", excluídos os das áreas emancipadas. Em termos "patrimoniais" fica tudo igual. Ninguém perdeu nada da "sua" propriedade.
Mas muitos resistem a proposta independentista pelo fato da razão ceder lugar ao sentimentalismo. Freqüentemente a alternativa é atacada pelo fato de possuir o Brasil tantas e tantas belezas naturais que chegam a encantar os turistas. Por quê, então, desmanchar algo que tem tantas maravilhas?
É, novamente, visão caolha. Em primeiro lugar, as belas coisas da natureza, que situam-se no Brasil ou em qualquer lugar, não são "propriedade", de ninguém, de nenhum país. Antes, constituem patrimônios da humanidade, evidentemente numa concepção filosófica. Mas ainda assim, se eventualmente alguém tivesse mais direito sobre a paisagem, não seria o país onde está, apesar da chamada soberania, e sim, num primeiro plano, o Município respectivo, depois o Estado-Membro, a Região, o País, o Continente, o Planeta, o Sistema Solar e o Universo. Mas não há uma hierarquia no domínio das coisas da natureza. Tudo não passa de concepções diferentes, sejam político-jurídicas, geográficas ou mesmo cósmicas. Nada irá desaparecer como por "encanto" com o desmembramento político e jurídico. As belezas naturais continuarão as mesmas, sem sair do lugar, onde quer que estejam. Continuarão à disposição de todos, como eram antes. Mas tudo isso com uma enorme vantagem: as belezas humanas, muitas vezes soterradas na lama da federação, poderão emergir e com sabedoria e soberania certamente construirão um futuro melhor.

separatismo são paulo RESISTÊNCIAS AO DIREITO DE AUTODETERMINAÇÃO
Os povos de todos os lugares e tempos criaram um sentença que de certa forma foi assimilada pelos filósofos e que até hoje ninguém conseguiu desmanchar: "a história é escrita pelos vencedores".
Isso significa que, freqüentemente, a história é escrita sob o vício da facciosidade, assentada em falsas versões, conforme a vontade do vencedor. Não é raridade que a historiografia se iguale à uma mentira. Assim posto, ela pode enganar os que não têm capacidade de discernimento. E, lamentavelmente, grande parte dos historiadores repetem nos seus livros ou ensinamentos as mentiras que foram escritas por outros, que por suas vezes também repetiram a história que foi escrita originalmente pelos vencedores. Mas essa postura, nada digna, parece ser uma exigência do mercado. Quem ousar contar a verdadeira história terá represálias e invencíveis obstáculos na sua divulgação. Melhor é ficar "bem-comportado" e repetir o que os vencedores disseram. Isso é de mais agrado ao "Sistema"... Nessa circunstância, quem não olhar a historiografia com senso crítico e certa dose de ceticismo, correrá o risco de consumir inverdades. Todavia, este problema não se restringe ao "local". É universal.
Um exemplo bem próximo é a Guerra do Paraguai, de 1865. Sob patrocínio dos banqueiros ingleses, formou-se a Tríplice Aliança, composta por forças militares do Uruguai, Argentina e Brasil, este último país-suporte da citada aliança. O Paraguai - que era o único país sul-americano com possibilidade de desenvolvimento próprio - foi devastado quase totalmente. Cerca de 75% da sua população foi dizimada. Desse massacre, no entanto, nasceu um "herói" chamado Duque de Caxias. Esse "herói" brasileiro chegou ao cúmulo de afirmar que para vencer o Paraguai seria indispensável "matar até o último paraguaio no ventre da sua mãe". E esse cidadão brasileiro é um típico "herói" da sua história.
Segundo a historiografia dominante, os marcos centrais da história política brasileira foram os períodos da Colônia, Império e República. Os dois últimos períodos teriam sido estabelecidos para atender aos interesses da classe dominante.
Na mesma esteira teriam sido os movimentos separatistas eclodidos em vários pontos do Brasil, ou seja, seriam obra também das classes dominantes regionais. Na Inconfidência Mineira a causa estaria nos tributos excessivos sobre o diamante e ouro; na Revolução Farroupilha, a causa estaria nos encargos públicos sobre o charque e as terras.
Ora, no que pertine aos movimentos libertários das regiões envolvidas, a afirmação singela que a intenção era socorrer os interesses dos grandes proprietários de minas ou terras, se não pode ser considerada uma inverdade, é, no mínimo, uma meia-verdade. E é uma meia-verdade por dois motivos. O primeiro é que se de fato havia interesse direto de uma determinada classe social, a dominante, na separação, evidentemente esse interesse também estaria presente com igual força nas outras classes sociais. O aumento dos recursos regionais, mediante o "corte" de parcelas extorquidas por Lisboa ou pelo Império, poderia, evidentemente, beneficiar a classe menos favorecida. O interesse, portanto, foi da sociedade produtiva como um todo, das suas diversas classes sociais. O segundo motivo reside no fato do apoio popular às causas independentistas, onde os respectivos povos marcharam junto com a classe superior ou pelo menos não se opuseram à empreitada.
Mas é inegável que essa meia-verdade pregada pelos "vencedores" e seus porta-vozes teve conseqüências funestas na mente daqueles que, cegamente, acreditam na historiografia escrita pelos vencedores. Talvez seja esta a origem da forte resistência ao independentismo manifestada pela "esquerda". Prova disso é que a "esquerda" prefere encarar o demônio, antes de se dispor à discussão sobre qualquer tema que envolva a questão do direito à autodeterminação dos povos do Brasil. Essa visão muito obtusa certamente é produto reflexo do "Sistema" que a esquerda pensa e afirma combater, quando na verdade o defende e é parte dele mesmo. Nesse sentido a esquerda também é "Sistema". E como "Sistema" também é responsável pela construção e conservação da sua obra máxima: o mastodonte chamado Brasil, que tem corpo grande e cérebro pequeno. E por causa do alijamento social de grandes massas, submetidas a sua jurisdição e soberania, essa infeliz construção humana é responsável pela matança de mais gente que todas as guerras somadas. Assim, pode-se inclusive afirmar, sem medo de erro, que a esquerda não passa de instrumento da direita. Usa o braço esquerdo comandado pelo cérebro de direita. Essa oposição ao "Sistema", cujas principais diretrizes são de "direita", na verdade preenche os requisitos meramente formais (não essenciais, substanciais) da democracia. Assim, a democracia praticada no Brasil é como uma obra-prima da pintura, produto de substanciosa imaginação, mas sem qualquer alicerce.
A "direita", por seu turno, também não vê com bons olhos o ressurgimento da proposta independentista. Teme, com certeza, a perda dos seus privilégios e investimentos que bancou para erguer o sistema que teoricamente lhe estaria dando todas as garantias. Essa ótica, contudo, é ainda mais "burra" que a visão distorcida da esquerda. O preço que a classe dominante paga por essas garantias é certamente muito superior ao que era pago pelos fazendeiros do Sul e pelos donos das minas, antes, respectivamente, da Revolução Farroupilha e Inconfidência Mineira. Na verdade, a fome insaciável da Federação devora enorme parcela do que é produzido pelos empresários e trabalhadores. Seria mais barato ao empresariado submeter-se à volta do "dízimo" da Idade Média.
Resumidamente, a esquerda repele o separatismo afirmando que ele é coisa de direita; a direita diz o mesmo ao inverso. Porém todas são visões absolutamente equivocadas. E não é preciso muita inteligência para chegar a essa conclusão. Na verdade, a pequenez dessa discussão não tem lugar na causa independentista. Essas questões ultrapassadas só podem ter lugar em sociedades pequenas, onde as alternativas políticas permitidas também são pequenas. A esquerda, por exemplo, fala como se estivesse bebendo vinho das mais finas castas da sabedoria, quando está bebendo vinagre reles. Muitos até demonstram sólido conhecimento das teses dos grandes pensadores do socialismo, ao mesmo tempo em que desconhecem e desprezam o próprio chão onde nasceram, sua história e a quantidade de sangue derramado pelas gerações passadas na busca da liberdade para esse chão. "Consultando" o raciocínio: na verdade seria esperar demais uma esquerda de primeiro mundo, quando o "Sistema" e suas raízes de direita, são de terceiro ou quarto mundo. Enquanto isso, o projeto independentista tem por alvo o primeiro mundo.
Na visão das "Instituições" brasileiras, a resistência ao independentismo toma contornos radicais. Os políticos, os tribunais e a Grande Imprensa "fecham" a questão. Inúmeras outras organizações atreladas ao sistema, públicas ou privadas, também não admitem qualquer discussão que ponham em risco a "indissolubilidade" do Brasil. É paradoxal, até mesmo muitas lideranças de entidades tradicionalistas gaúchas compartilham desta postura. Porém são os primeiros a vestir a indumentária que lembra os heróis Farrapos nas comemorações Farroupilhas (20 de setembro) e possuem lugar reservado no palanque oficial. O que essa gente faz ali, afinal? Sem dúvida, a "Paz de Ponche Verde" gerou no seu ventre muitos "maricas" que falam grosso, mas que em nada lembram os bravos Farroupilhas.
Apesar de tudo, uma coisa é certa: se os políticos, na sua quase totalidade, rechaçam o separatismo, e se dentro das "instituições" brasileiras não existe projeto tão repelido quanto este, também é certo que, no mínimo, ela deve conter muitas virtudes, merecendo ampla reflexão e discussão.

O SUL É UMA NAÇÃO
A fim de evitar-se confusões conceptuais, prudente é recordar antes que o Estado (ou País) distingue-se da Nação por ser o primeiro uma realidade jurídica, ao passo que a segunda é uma realidade psicossociológica. São realidades diferentes e inconfundíveis. Por outro lado, enquanto o conceito de Nação é subjetivo, o Estado é objetivo. Essa diferenciação é fundamental na tese em curso porque não nega a qualidade de Estado à República Federativa do Brasil, porém a sua qualidade de Nação Única.
O conceito de Estado não foi muito claro na antigüidade. Começou com a Polis, na Grécia, e a Civitas, em Roma. Mas deve-se a Maquiavel, principal artífice da ciência política moderna, a introdução desta expressão na literatura científica. Todavia, não há ainda uma definição de Estado que seja aceita sem restrições. As definições encontradas refletem pontos-de-vista de cada autor e doutrina. Neste momento, essa polêmica não tem grande importância, porquanto a compreensão de Estado está com fortes raízes na consciência de todos, independentemente das definições já colocadas em papel. Pedindo emprestada a definição escolhida por Groppali, o Estado "é a pessoa jurídica soberana, constituída de um povo organizado sobre um território sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social" Os elementos constitutivos do Estado são população, território e governo.
Conseqüência de qualquer definição que for escolhida, o Estado pode constituir-se por um ou mais povos e nações. No primeiro caso, surge o Estado nacional (um só povo e nação); no segundo, aparece o Estado Plurinacional (mais de um povo e nação). Também pode a nação constituir-se em mais de um Estado.
Ora, é evidente que no Estado Nacional não haveria grande sentido falar-se em fracionamento ou desmembramento do Estado para formação de novo(s) Estado(s). Entretanto, a situação é diversa quando o Estado é plurinacional, quando a população do Estado é composta por mais de um povo ou nação, destituído de coesão interna e muitas vezes alvo de disputas internas e desarmonias das mais variadas.
Sensível a essas ocorrências, o Direito Internacional Público, dando sua contribuição para a paz no mundo do pós-guerra, vem prestigiando sobre todas as outras a doutrina das nacionalidades, segundo a qual deve ser reconhecido a cada grupo nacional homogêneo o direito de constituir-se em Estado soberano. Como observou Del Vecchio, o Estado que não corresponde a uma nação é um Estado imperfeito. De qualquer modo o direito internacional moderno consagra o princípio segundo o qual "cada nação deve constituir um Estado próprio". Desta forma, várias questões precisam ser esclarecidas: o Brasil consiste num Estado Nacional ou Estado Plurinacional? O Estado deve fazer a Nação ou a Nação deve fazer o Estado? O Estado deve ser fim ou meio da sociedade?
Para Hegel o Estado é a "suprema" encarnação das idéias. Já na teoria fascista, a Nação não faz o Estado, mas este é que faz a Nação. Em nome desta doutrina a Abissínia e o povo etíope foram anexados como novos integrantes da "Nação Italiana" de Mussolini.
Ora, se cada Nação tem o direito de constituir-se em Estado Soberano; se o Brasil é um Estado Plurinacional; se a Constituição fixa já no seu primeiro artigo que o Brasil é formado pela "união indissolúvel" dos Estados (membros); se a cláusula pétrea do artigo 60, § 4º, I, da Constituição Federal, proíbe emenda constitucional tendente a abolir a "forma Federativa do Estado"; conclui-se que as correntes que prendem o Sul, e talvez outras Regiões, são cláusulas nitidamente fascistas, autorizando a via da desobediência civil, em nome do direito das gentes, do direito subjetivo público e do direito natural, que hierarquicamente estão acima de quaisquer outras leis do ordenamento positivo, tudo somado ao suporte de todas as doutrinas que justificam o nascimento de novos Estados Soberanos. Essa insurreição, justa por natureza, tem agasalho na própria pregação de Santo Agostinho.
No que se liga ao problema finalístico do Estado propriamente dito, duas correntes se digladiam. A primeira quer o Estado um fim em si mesmo, sendo a sociedade o seu meio, assim, desta forma, flagrantemente contraposta à doutrina democrática. Essa doutrina esta intimamente relacionada aos princípios fascistas, onde o Estado faz a nação, e não o contrário. Infelizmente essa doutrina de fundo fascista foi incorporada pelo Brasil, tanto pelos regimes militares quanto pelos civis. Por ela tudo se justifica em nome do país, mesmo que se trate da subjugação de povos diferentes. A segunda doutrina prega que o Estado, democraticamente considerado, não passa de uma instituição nacional, um meio para a realização da vontade coletiva, tendo por único fim a própria sociedade. Segundo ela, a Nação é de direito natural, enquanto o Estado resume-se em obra da vontade humana. Assim, o Estado não tem autoridade nem finalidade em si mesmo. Deve ele ser a soma dos ideais da comunhão que deveria representar.
O próximo passo é provar que o Sul já é uma Nação, com um povo próprio. Essa missão competiria aos respectivos povos das outras regiões, no que lhes pertine e se assim entenderem. Abrindo a discussão, primeiro há que se conceituar ao certo o que é uma Nação. Depois, se o Sul enquadra-se, ou não, nessa conceituação. No que a Nação distingue-se de Povo?
Alguns autores afirmam que Nação e Povo se equivalem. Dentre eles Maggiori e Battaglia, com tendências idealistas. Mas esta afirmação não é aceita pela maioria. Na verdade são conceitos semelhantes. Porém Nação é de maior compreensão que Povo, porque tem natureza político-sociológica.
Assim, é preciso delimitar muito bem os conceitos de Nação e Povo estabelecidos pelos autores. Apesar de algumas divergências, no cerne da questão a convergência é a regra. M. Hauriou define a Nação como "uma população fixada no solo, na qual um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamento da unidade de agrupamento" (Précis de Droit Constitucionel, 1923, p. 25). Por seu turno Jellinek caracteriza a nação como "um grande número de homens que adquirem a consciência de que existe entre eles um conjunto de elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhes são próprios; têm, ainda, consciência de um mesmo passado histórico e de um destino à parte, distinto dos outros agrupamentos e é nisto que consiste uma nação". Por aqui, se vê que a nação não tem uma realidade exterior e objetiva. Entra mais propriamente na categoria dessas grandes manifestações sociais que não se pode determinar com o auxilio de instrumentos e processos exteriores de apreciação. O conceito de nação, essencialmente subjetivo, é resultado de um estado de consciência ( L. Etat moderne et son droit, p. 207). Para Mancini, "a Nação é uma sociedade natural de homens com unidade de território, de costumes e de língua, afeitos a uma vida em comum e com uma consciência social".
Consoante definição empregada pela Organização das Nações e Povos Não Representados (UNPO), com sede em Haya (Holanda), que possui como principal objetivo a representação de povos e nações sem cadeira na Organização das Nações Unidas: "uma nação ou povo significa um grupo de seres humanos que têm vontade de ser identificados, como uma nação e povo, e estão unidos por uma herança comum que seja de caráter histórico, racial, étnico, lingüístico, cultural, religioso e territorial". Essa definição está consagrada no artigo 6º, alínea "a", do seu Estatuto. Entre todas certamente é a conceituação mais exigente para Nação e Povo. Enquadrar-se-ia o Povo do Sul nesses exigentes requisitos para ser considerado Povo e Nação? A resposta é uma afirmativa contundente: sim.
Assim, "decompondo" a minuciosa definição dada pelo UNPO:
(a) - "Uma Nação e um Povo significa um grupo de seres humanos que têm vontade de ser identificado como uma nação ou povo..."
A Nação Sul-Brasileira é constituída por uma população razoável a fim de ser reconhecida como um Povo e Nação: cerca de 25 milhões de habitantes. A vontade desse povo em ser reconhecido como Nação pode ser encontrada no fundo da alma de cada um. Essa verdade é demonstrada com clareza mediante pesquisas idôneas, inclusive de órgãos da imprensa manifestamente contrários a esse reconhecimento. A revista "Isto É" (nº 1235, de 02 / Jun / 1993), em matéria de "capa", registra uma pesquisa, pela qual os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina proclamariam já suas independências. Na mesma esteira andou a revista "Amanhã" (nº 60, de abril de 92), cuja pesquisa apontou o desejo de separação unida dos três Estados do Sul, com índice de 60,7%. Na cidade de Turvo (SC) houve uma impressionante unanimidade dos 759 pesquisados, pelo "Sim". E sabe-se que muitas outras foram feitas, inclusive sob encomenda dos opositores da liberdade e que, obviamente, jamais foram divulgadas. Se foram parar em arquivos secretos ou nos fornos de incineração, é dúvida.
A verdade é que a vontade coletiva do "sim" é sentida em todas as raras oportunidades em que a proposta autodeterminista comparece aos meios de comunicação. O retorno pelo "sim" foi tão impressionante que começou a ficar perigoso. A palavra de ordem da mídia, hoje, é não conceder mais qualquer espaço para a questão independentista.
Ora, é pressuposto elementar dessas manifestações, expressando o desejo de independência, que por trás delas está um forte sentimento de nacionalidade e da condição de povo. É o subjetivo conduzindo a vontade. Há, sem dúvida, um grupo de seres humanos que "têm vontade de ser identificado como um nação ou povo". Esse requisito exigido pela UNPO está plenamente satisfeito. Ninguém conseguirá esconder essa vontade;
(b) - "... e estão unidos por uma herança comum que seja de caráter histórico..." A união do povo Sul-Brasileiro em torno de uma herança comum de caráter histórico tem profundas raízes na sua própria história, destacando-se o abandono a que sempre foi relegado o Sul, o que lhe propiciou vida própria, independente das outras regiões. As conseqüências deste abandono foram as insurreições libertárias no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que chegaram, inclusive, a desligarem-se do império brasileiro;
(c) - "... racial..."
Nesse aspecto cumpre destacar que, pelos cruzamentos ocorridos em todos os continentes, não existem mais raças puras. Assim, o povo Sul-Brasileiro, como quase todos os demais, é produto de uma mistura que abriga origens das três grandes raças: a caucasóide, a negróide e a mongolóide;
(d) - "... étnico..."
A herança comum de caráter étnico também está presente. O grupo humano do Sul possui traços somáticos em comum e uma relativa uniformidade cultural;
(e) - "... lingüístico..."
O povo do Sul fala predominantemente o português, ao lado das línguas trazidas pelos imigrantes, incorporando muitos termos indígenas e com forte influência espanhola no extremo Sul;
(f) - "... cultural..."
A herança comum de caráter cultural tem fortes raízes na cultura indígena. É bastante homogênea e distingue-se muito de outras regiões brasileiras, notadamente do Nordeste e Norte;
(g) - "... religioso..."
A religião predominante é a católica, seguida das protestantes, que coexistem com credos oriundos de praticamente todas as correntes religiosas;
(h) - "... territorial..."
A Nação Sulista assenta-se sobre um território contíguo de 576.316 quilômetros quadrados. A conformação territorial teve forte influência nas características do povo. Os limites deste território com o oceano e com outros países, somente ao Norte com o Brasil, também ajudou a formação de uma nacionalidade própria. O clima é sub tropical, diferente das outras regiões brasileiras. As populações indígenas nativas da região eram as únicas capazes de resistir ao frio. Também é diferente a biodiversidade. A natureza dotou este território de rios que têm as suas nascentes ou, no mínimo, grande parte dos seus afluentes, dentro dele próprio. Portanto a água, para consumo e irrigação, também é própria. É uma herança comum de caráter geográfico que reforça a sua condição de Povo e Nação. Essa condição decorre da própria natureza. Desse modo não há como esconder que a própria mãe natureza agiu numa divina cumplicidade com o povo Sul-Brasileiro na sua causa libertária.

O DIREITO À INDEPENDÊNCIA DO SUL
Não restando qualquer dúvida sobre a condição de Nação e Povo dos Sul-Brasileiros, resta, doravante, discorrer um pouco sobre seu direito à independência. Apesar de alguns óbices "carcerários" colocados na legislação e a contrariedade dos indivíduos acampados nos Três Poderes, bem como na mídia dominante, esse direito é incontestável, independentemente daquelas vontades. Além disso, o direito que socorre a causa independentista é um direito superior na hierarquia das forças jurídicas e políticas que regem as relações internacionais e dos próprios países.
Os fundamentos políticos e jurídicos da autodeterminação pretendida encontram-se, à saciedade, em todas as teorias modernas que presidem o nascimento dos Estados Soberanos; no direito público internacional; na Resolução nº 1514 (XV), da Organização das Nações Unidas - ONU, aprovada na 947º Reunião Plenária, de 14 de dezembro de 1960; nos direitos subjetivos públicos; no direito das gentes e no direito natural. Mas fundamentalmente o maior de todos os direitos está no coração do povo do Sul. Estes até poderão ser desprezados pela "República Federativa", mas ela não terá como "escapar" das outras disposições a que está sujeita, inclusive como membro da ONU e, se insistir na desobediência, talvez incorra em infração punível com sanções das mais diversas. Mas esse castigo seria ainda menor do que perecer enforcada pelas próprias correntes com que aprisiona os diversos povos. Punição extensível a todas as pretensas autoridades da República Federativa que perseguem, ameaçam, oprimem e reprimem, com toda a força policialesca disponível, os defensores da liberdade e do ideal secessionista.
Independentemente das razões, dos fundamentos e das doutrinas que autorizam a criação de novos Estados Soberanos, estes podem surgir de diversas maneiras. Pode ser pela cisão, onde o Estado "reparte-se" para surgimento de dois ou mais novos Estados. Pode ser pela independência de colônias que se desligam do país colonizador; pela fusão de dois ou mais Estados num só e, finalmente, pela secessão de uma parte do território e população para formação de um novo Estado. Essas modalidades devem ser guardadas na mente porque, conforme o caso, cogitar-se-ia, no caso brasileiro, de cisão, se mais de uma região se independenciasse (também pode ser chamado de fracionamento), ou secessão, no caso de um só. Esta, com certeza, se a aquela não lograr êxito, pode acontecer em breve.
Voltando às teorias que presidem o nascimento dos Estados, merecem destaque (1) o princípio das nacionalidades, defendida por Mancini em 1851, para quem as populações ligadas entre si por identidade de raça, de língua, costumes e tradições, formam naturalmente uma nação e devem ser reunidas num só Estado. Sob essa doutrina a Grécia tornou-se independente em 1829, foram separadas a Holanda e a Bélgica (1830), houve a unificação da Itália (1859), da Alemanha (1867,1871) e a independência dos países Balcânicos. A postura dominante nesta teoria é a não-intervenção. Outra é a (2) teoria das fronteiras naturais, segundo a qual o território é complemento indispensável da nação. Atribui-se a Napoleão a afirmação de que a Europa só encontraria paz quando as nações estivessem integradas nos seus limites naturais. Essa doutrina é polêmica, mas pode ser aplicável em várias situações. Já a (3) teoria do equilíbrio internacional ergueu-se visando o equilíbrio europeu. Segundo ela, a paz decorre do equilíbrio. Também foi chamada de teoria da paz armada. Foi esboçada por Richelieu. O próprio Brasil sustentou essa teoria para um equilíbrio Sul-Americano, defendendo a soberania Uruguaia, mas certamente mudou de posição. Basta olhar o mapa sul-americano para levar-se um "choque" pelo contraste nas dimensões territoriais dos países. Não há equilíbrio, como na Europa. A Nação Sulista pode, portanto, perfeitamente invocar esta teoria para obter seu legítimo intento. Finalmente e, talvez, a mais importante, surge a (4) teoria do livre arbítrio dos povos, segundo a qual somente o livre consentimento de cada povo justifica e preside a vida do Estado. É a defesa da autodeterminação dos povos com raízes na filosofia liberal do século XVIII, defendida por Rousseau, adotada na Revolução Francesa e integrante da doutrina de Wilson, em 1919. Condorcet afirmou em 1792 que "cada nação tem o direito de dispor sobre o seu destino e de se dar as próprias leis". Em nome dessa teoria foram embasadas a restauração da Polônia e a independência da Iugoslávia.
Solucionaram-se questões em outros lugares pela forma plebiscitária. Essa teoria, sem dúvida, é alta expressão dos ideais democráticos.
Apesar de serem essas as doutrinas que tratam da criação de novos países, segundo os princípios de direito internacional, evidentemente a problemática não se esgota aí. Soma-se a esse elenco o que poderia ser chamado de (5) doutrina da própria conveniência. Assim, desligar-se de um Estado, carente de princípios sólidos, enleado numa estrutura política totalmente apodrecida, profundamente abalado moral, social e economicamente e, pior, com valores e princípios irremediavelmente deteriorados e pelas avessas, é questão de conveniência. Imprimir novos rumos, mesmo se constituindo em novo país, é direito inafastável. Somente choques profundos poderão mudar essa realidade. E, na verdade, os grandes problemas brasileiros, até hoje não resolvidos, como reforma agrária, relações entre o capital e o trabalho, entre outros, são problemas simples. Mas para resolvê-los há que se romper bruscamente com a federação decadente. Entregar aos povos regionais o comando supremo dos seus destinos, libertando-os dos entraves pseudo-federativos é, sem dúvida, questão de conveniência. Aliás, não foi sem base, portanto, que o próprio regente Feijó já clamava que o Brasil era ingovernável; que não existia para o Brasil organização possível. A doutrina da conveniência pode ser considerada uma "criação" do Sul, a título de contribuição universal.
Mas o grandioso e sacrificado povo do Nordeste, que tanto já produziu para o mundo das letras, também tem uma doutrina própria, de lavra do ilustre paraibano Alyrio Wanderley. É a (6) doutrina da cissiparidade. Segundo essa doutrina (chamada de lei da cissiparidade por Wanderley), a Nação começa a morrer desde o momento do seu nascimento. Com ela ocorre o mesmo que se dá com todo o organismo, onde o nascimento é o primeiro passo para a morte. "É o princípio do fim", segundo a doutrina. Essa regra é inflexível. A "biologia" das nações poderia ser estudada mediante a paradigma celular. As células, como as nações, se multiplicam por secessão. A cissiparidade nacional está para a sociologia tanto quanto a cissiparidade celular está para a biologia. Tudo liga-se às "leis naturais".
Assim, se a célula não se cinde, morre; se a nação não se desmembra, ganha igual sorte. Com agradável estilo, Wanderley traz como exemplo, "arrancado do passado", o que aconteceu com o fantástico Império Romano. Roma nasceu, cresceu e amadureceu. Foi uma "célula" poderosa que começou a absorver todos os povos que a rodeavam. Como célula (sociológica) ficou enorme. Todavia chegou o momento em que no Império Romano, na célula maior, começa a aparecer uma cinta, transformando-se em vinco, para afinal se tornar corte, separando a célula maior em porções. Uma dessas "porções" tornou-se a Espanha. Então, a Espanha iniciou o próprio caminho como célula independente. Cresceu e "devorou", na medida do possível. Assimilava tudo que lhe estava à volta. Amadureceu. Mas pouco a pouco, parte do seu organismo começou a divergir e a afastar-se. Também nela surgiu a cinta, o vinco e o corte.
A célula (Espanha) cindiu-se, aparecendo Portugal. Seguindo a "fatalidade histórica", Portugal buscou seu destino de célula livre. Não podendo crescer e expandir-se para o oriente, por causa de um "muro" de forças intransponíveis, voltou-se para o oeste, ou seja, para o oceano. Mas o oceano nada lhe dava além dos peixes e de vias de navegação. Não havia terra. Lançou-se mar adentro, procurando, desesperadamente, novas terras. Aportou na América, em busca de alimento. Encontrou novas terras. Incorporou-as nos seus domínios, como fazem as células novas. Desenvolveu-se com esta conquista, "amadureceu". Mas a fatalidade sociológica novamente deu presença e a parte da célula de Portugal na América começou a tomar colorido próprio para individualizar-se. A célula Portugal rompeu-se, cindiu-se, surgindo o Brasil, como célula distinta, por ação da lei da cissiparidade. A pergunta que logo se impõe: a ação dessa lei parou aqui? A doutrina da cissiparidade responde que não. Não aqui nem em parte alguma. É nesse percurso que está o ciclo vital das nações, que é o mesmo ciclo vital das células. O Brasil, como célula independente, não tem o poder de revogar as leis da natureza e da história através dos milênios e dos continentes, nem o movimento dos povos.
Por ação fatal dessa lei, portanto, de Roma surgiu à Espanha, da Espanha saiu Portugal, de Portugal, o Brasil. Assim, do Brasil também sairão novas células, que serão novas nações a integrar os mapas. Isso porque a unidade eterna das nações seria uma aberração, igual à eternidade de um homem ou de uma árvore.
A doutrina da cissiparidade é, sem dúvida, de muita originalidade. Está reproduzida com absoluta fidelidade, na ortografia da época (1935), no Anexo. Apesar de todos esses fundamentos que dão guarida à tese independentista do povo do Sul, inclusive disposições claras das Nações Unidas, seria ingenuidade supor que esse direito fosse respeitado pelas autoridades da "República Federativa". Essa reivindicação justa jamais será acolhida pacificamente, seja pela "democracia" brasileira, seja pela sua "justiça". Neste sentido podem ser invocadas as diversas tentativas feitas pelos movimentos independentistas do Sul, que chegaram a acreditar na democracia praticada no Brasil e no princípio que "todo o poder emana do povo", buscando na justiça esse direito. Em Santa Catarina foi votada pela Assembléia Legislativa a realização de um plebiscito, mesmo que a alternativa a ser considerada fosse a mais branda: a forma confederativa. Foram dignos e corajosos os deputados catarinenses: aprovaram. Mas este plebiscito foi impedido pela "justiça" eleitoral brasileira. Igualmente, no Rio Grande do Sul, foi obstruído o registro do Partido da República Farroupilha - PRF, pelo Tribunal de "Justiça" local, com voto dissidente do ilustre desembargador Sérgio Pilla da Silva, que de certo modo entendeu que o povo tem soberania constituinte.
Portanto, na prática, esses dez anos deixaram a desejar, frustrando as expectativas daqueles que pensaram que se poderia contar com as leis e estruturas brasileiras, com a democracia, com a justiça. Tudo em vão. Foi perda de tempo. Outros caminhos precisarão ser buscados.
Não importando o rumo a ser doravante percorrido, a verdade é que o reconhecimento da autodeterminação nunca será dado de presente. Precisa ser conquistado. Há que se tornar a vontade coletiva, forte como um furacão. Então, nenhum poder sobre a terra conseguirá obstaculizar a caminhada rumo a independência. E a força do furacão é conhecida. Não há, no mundo, lei, autoridade ou tribunal que consiga deter a força de um furacão. "Ele" é produto de uma lei da natureza, tanto quanto a tese independentista, em socorro da qual vem o próprio direito natural.

AUTODETERMINAÇÃO DO SUL FRENTE ÀS NAÇÕES UNIDAS
Recordando um pouco a história, em 1945 representantes de 50 países reuniram-se em São Francisco, Califórnia, onde redigiram a Carta das Nações Unidas. Neste mesmo ano foi oficialmente constituída a Organização das Nações Unidas - ONU. O Brasil participou como um dos membros fundadores. Dentre os principais objetivos da Organização destacam-se a manutenção da paz; a segurança internacional; o incremento de relações amistosas entre as nações; a cooperação internacional para a solução de problemas mundiais de ordem social, econômica e cultural; e, finalmente, o incentivo do respeito pelos direitos e liberdades individuais. Buscando o longo e penoso caminho que teria pela frente, a ONU constituiu uma comissão encarregada de redigir os direitos do homem, apoiados nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, da Revolução Francesa. A comissão decidiu praticar democracia, consultando e pedindo contribuição a diversos pensadores e escritores, seguindo o que preconiza Rousseau no Contrato Social. Um dos consultados foi Mahatma Gandhi, que prontamente respondeu: "somente somos credores do direito à vida quando cumprimos o dever de cidadãos do mundo". Finalmente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi aprovada em resolução da III seção ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, contendo trinta artigos. Sem dúvida, constituiu-se em um grande avanço para a humanidade e sua maior conquista é jurídica, sobretudo nos direitos individuais do ser humano.
Sentindo, todavia, que ainda faltava alguma proteção aos povos, sujeitos a toda espécie de violência, a ONU adotou uma resolução para amparar os povos e nações. Em 14 de dezembro de 1960 os Povos e Nações tiveram reconhecidos os seus direitos, na 947ª Reunião plenária das Nações Unidas. Ali foi aprovada a Resolução nº 1514 (XV), que trata da independência em países coloniais e povos.
Apoiada nesta resolução e na própria Carta das Nações Unidas, a ONU finalmente declara que a "subjugação dos povos constitui uma negação dos direitos humanos fundamentais, é contrária à Carta das Nações Unidas e é um impedimento à promoção da cooperação e da paz mundial". Prossegue essa resolução dispondo que "todos os povos têm direito à autodeterminação", livremente escolhendo o status político, o desenvolvimento econômico, social e cultural. Esta resolução, inclusive, proíbe toda ação armada ou medidas repressivas contra os povos que, se for o caso, devem cessar para permitir o exercício dos seus direitos de completar a independência pacífica e livremente.
O último dispositivo dessa resolução ratifica a obrigatoriedade dos países em observar a carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a própria resolução nº 1514.
Evidencia-se, assim, que as Nações Unidas tomaram consciência que, na prática, a Declaração de 1948, dispondo sobre direitos e liberdades individuais, não funcionaria por si só, havendo necessidade de redigir outra norma que abrigasse os direitos e liberdades dos povos e nações. A ONU foi lúcida. Enxergou claro e longe que de nada adiantaria defender as liberdades e direitos das "células" da sociedade caso se omitisse de normatizar sobre o próprio corpo social que elas integram. Sentiu, como forma de expressão, que os limitados direitos e liberdades individuais preconizados na Declaração Universal dos Direitos do Homem seria o mesmo que definir como liberdades e direitos o confinamento injusto do homem num cárcere, usurpando-lhe o direito à soberania como ser coletivo.
Apesar de pouco conhecida e divulgada, a Declaração das Nações Unidas de 1960, que trata dos direitos dos povos e nações, certamente é tão ou mais importantes que a declaração de 1948. Isso pela simples razão de que o homem nunca será livre como ser individual, se o corpo social ao qual ele está ligado, como ser social, coletivo ou nacional, também não for livre, soberano e independente.
Para melhor compreensão: se um corpo animal vivo ficar submerso na água por longo tempo, nenhum esforço será capaz de manter a vida das suas células, que também morrerão. Aí reside a interdependência entre as liberdades e direitos individuais e nacionais. Sem qualquer um deles, evidentemente, o outro não existirá. Por isso, as Declarações das Nações Unidas de 1948 e 1960 se completam. Uma não pode dispensar a outra, sob pena de anular-se a si mesma.
Não bastassem, portanto, os outros sólidos argumentos que amparam a tese independentista do Sul, é com base nas disposições da Organização das Nações Unidas que esse direito se completa, porquanto os Sul-Brasileiros, inequivocamente, preenchem todos os requisitos de nação e povo. Por isso tem direito à independência.
Apesar de tudo, as autoridades brasileiras negam-se a acatar as resoluções da ONU, da qual o Brasil é membro-fundador, colocando todos os obstáculos, imagináveis e inimagináveis, no sentido de impedir qualquer ação que tenha por fim o exercício do direito de autodeterminação. Nem mesmo a forma plebiscitária pode ser usada, apesar de ser utilizada com freqüência em pequenas questões, geralmente no intuito de ampliar o mercado de trabalho para políticos, com emancipações internas exageradas.
Por ação das suas autoridades, o Brasil deve ser responsabilizado perante as Nações Unidas, por descumprir as normas a que está sujeito como membro da ONU.

AÇÕES IMEDIATAS
Na esteira desse manifesto, três ações devem ser desenvolvidas, tramitando em paralelo, a saber:
1 - Intensificar a mobilização independentista do povo do Sul, reavaliando os métodos empregados durante os anos noventa;
2 - Denunciar às Nações Unidas, formalmente, a República Federativa do Brasil, por descumprimento das normas a que está sujeita como membro da Organização, pela ação das suas autoridades e pelos obstáculos colocados na sua legislação interna que contrariam a Resolução nº 1514 (XV). O povo Sul-Brasileiro, invocando suas prerrogativas universais contempladas nas Nações Unidas, reivindica seus direitos libertários e a enérgica intervenção dessa organização no sentido de garantir o livre processamento das etapas requeridas ao reconhecimento da sua autodeterminação, inclusive a consulta plebiscitária;
3 - Convidar outros Povos e Nações do Mundo, em situação semelhante, a unirem esforços no sentido de criar uma Organização Mundial dos Povos e Nações Independentistas, visando o reconhecimento dos seus direitos à autodeterminação, de acordo com as disposições das Nações Unidas.
ANEXO
Reprodução autêntica do Capitulo III, páginas 17 a 22, do livro AS BASES DO SEPARATISMO, exemplar nº 1483, de autoria do ilustre paraibano ALYRIO WANDERLEY, editado em 1935, por A. MEIRA EDITOR, São Paulo.

A LEI DE CISSIPARIDADE
Quando uma nação nasce, começa a morrer. Dá-se com ella o que se dá com todo organismo: o nascimemnto é o primeiro passo para a morte. Traz em si, occulto mas activo, o germen da desaggregação. E' o principio do fim.
Sujeita-a, destarte, uma regra inflexivel.
Poder-se-ia mesmo estudar a biologia das nações, mediante um paradigma cellular. Com effeito, as nações como as cellulas, se multiplicam por seccessão. A scissiparidade nacional é, em sociologia, o que é, em biologia, a scissiparidade cellular. Tem a constancia caracteristica das leis naturaes.
Esse simile biologico vae ás ultimas consequencias e minucias; ajuda-se ao phenomeno sociologico da multiplicação das nações, como um corpo á própria imagem. E não se limita a reproducção: attinge a conjugação, attinge até a immortalização experimental dos unicellulares.
Se, pois, uma nação é um organismo adstricto a nascimento, crescimento e multiplicação, graças a uma lei que rege a sua evolução essa lei é que determinará, mais cedo o mais tarde, no exercicio da sua soberania, o desmembramento do Brasil....
Objectar-se-á, talvez, que certos organismos vivem em colônias e que a divisão individual não implica em separação, ao passo que outros, multicellulares, devem a existencia á propria aggregação das partes. De facto.
Mas, o fim de todo sêr é viver. E o que conduz a cellula á scisão é ainda essa vontade universal de viver; quando se sente envelhecer e, portanto, approximar-se da morte, busca o rejuvenecimento na seccessão e, com isso, a perpetuação nos pedaços em que se reparte e que renovarão o mesmo cyclo vital, seguido da mesma multiplicação, indefinidamente. Por outro lado, a condição essencial á existencia de qualquer sêr, como especie é a sua adaptação ao meio e a correlação das especies ahi em acção. Donde, a constante procura de um equilibrio e as varias modalidades de associação, que oscillam do commensalismo e da symbiose até o parasitismo, com vantagem para um dos componentes. Nas nações, formadas de partes distintas, a seccessão sobrevem ao rompimento do equilibrio entre ellas e o ambiente, tal qual no unicellular, impossibilitado de sobreviver, sem alguma mutação superveniente, em harmonia com seu meio. Uma se torna nociva ás outras, e exhaure-as ou intoxica-as incapacitando-as para a adaptação, isto é para a lucta contra o universo que nos aggregados humanos, se reduz á manutenção de dadas funcções e organizações: costumes e instituições; então, essas outras reagem, para escapar ao extermínio. Se a cellula não se scinde, entra na decrepitude e morre; se a nação não se desmembra, ganha-a sorte egual. Ora, a biologia e a historia mostram que ambas preferem á anniquilação a sobrevivencia e, assim, sabe-se qual o caminho que seguem nessa aspera bifurcação de destinos.
Veja-se, então, de mais perto isso tudo. E nada melhor que um exemplo, arrancado ao passado, para mostrar na sua nudez o futuro. Um e outro são o fio de um mesmo carretel, que se desenrola com a passiva Constancia da eternidade.
Era uma vez uma nação chamada Roma. Nascera, fosse lá como fosse, crescera e, finalmente, amadurara. Cellula poderosa, palpitando no meio onde brotara, começou a absorver tudo quanto a rodeava. Absorvia e assimilava. Aquilo em que roçava transformava-se como que por magia; sua vitalidade parecia illimitada e, dahi, a intensidade do seu matabolismo. Ficou, como cellula, enorme.
Mas, chegava o momento em que a cellula, maior, principia a criar a cinta, que depois é vinco e que, afinal, se torna corte, separando-a em bocados. E um pedaço da cellula Roma, differenciando-se cada vez mais, apartando-se cada vez mais, certo dia, com um pouco do seu nucleo e do seu protoplasma - vestigios de idioma e de religião, de jurisprudencia e de costumes- desprendeu-se: foi uma nação nova, que teve o nome de Hespanha.
Roma quedou para o seu lado, sujeita a novas secessões; Hespanha, então, iniciou o seu proprio destino de cellula independente. Por sua vez, cresceu; devorou; estendeu-se na medida do possível. E assimilava quanto lhe era permitido. Amadureceu também; e, pouco a pouco, parte do seu organismo pôs-se a divergir, pôs-se a afasta-se. Surgiu, no corpo vivo da cellula, a cinta typica, que após se fez vinco e, por fim, se fez talho. Em summa, a cellula scindiu-se; e appareceu, ahi, Portugal.
Hespanha ao cabo, seguiu o seu caminho, exposta a novas divisões emquanto Portugal, por seu turno, cuidava de cumprir, bem ou mal, o fato de cellula livre. Não podendo crescer para o oriente, onde permanecia, inexpugnavel, a cellula madre, voltou-se para o oeste e achou o mar. O mar, porém, nada lhe dava.
Atirou-se contra elle, passou sobre elle e veio, cá na America, procurar aquillo que necessitava: alimento. Encontrou-o. Tomou-o a seu talante. Incorporou-o a si, como é costume das cellulas, absorvendo-o e assimilando-o . Subiu a um alto grau de desenvolvimento.
Todavia, ergueu-se aquella fatalidade biologica, que não permitte estacionamento nem eternizações a nação nenhuma. Esta parte da cellula, então, expontanea e inesperadamente, deu para colori-se, para individualizar-se. Debalde pretenderam retel-a na senda da differenciação: proseguiu com vegetativa regularidade. Aggravou-se, com o tempo, o phenomeno. E, contra tudo e contra todos, a cellula Portugal rompeu-se e o Brasil surgiu, de chofre, como cellula distinta, prompta para a vida em condições normaes...
E' obvio. Essa marcha multisecular e uniforme, hoje, apresenta-se com meridiana clareza até o intimo de cada refolho e de cada detalhe. Exposta assim, mostra visivelmente, na sua Constancia intrinseca, a constancia de uma força causal immanente.
Eil-a em acção, na desordem apparente dos factos e na ordem profunda dos effeitos, a lei de scicciparidade.
A tal altura, quiçá se pergunte: parará ella aqui, aquella caminhada? Não, sem duvida; não parará aqui, nem em parte alguma. Nisso está o cyclo vital das nações, que é o mesmo cyclo vital das cellulas, semelhante ao de todos os sêres vivos.
Por que haveriam de estacar em nós, os chamados abusivamente brasileiros, a natureza e a historia? Que teríamos nós de especial para que derogassemos as leis que regulam, através dos millenios e dos continentes, o movimento dos povos? Seria absurdo imaginal-o; esperal-o, seria idiotice.
Por isso mesmo é que, obedientes a esse determinismo biosociologico, já agora avançamos de olhos abertos pela mesma estrada que palmilhou Roma, que palmilhou Hespanha, que palmilhou Portugal: assim como de Roma sahiu Hespanha, de Hespanha sahiu Portugal, de Portugal sahiu o Brasil, assim tambem , em breve, do Brasil - cellula que se multiplica por acissiparidade- sahirão novas cellulas, que serão nações novas a scintillar nos mappas.
Não esplende ahi, por ventura, um feixe de translucidas evidencias?
De certo. A unidade eterna das nações seria uma aberração, como a eternidade individual de um homem ou de uma arvore. Não se aponta, hoje, nenhuma que viesse, intacta, do erguer do panno da historia; todas passaram, cada uma de per si, para sobreviver apenas, como as cellulas, na voluvel dispersão das descendencias. Pela mesma razão, repugna á logica se aponte alguma que se destine, dyscola e soberba, em taes condições, á consummação dos seculos: não seria um organismo: seria um prodigio.
E, na terra, não ha mais lugar para o milagre...
Aqui, por acaso, alguém se lembrará de indagar: não se póde impedir indefinidamente a scissiparidade nacional por meios artificiaes? Sim, em theoria; como se póde, em biologia, protelar indefinidamentea scissiparidade cellular, mantendo-se o individuo sempre em ambiente favorável e amputando-se-lhe o protoplasma á medida do seu desenvolvimento. E' a conhecida experiencia de Hartmann com amebas. Por meio de communicações múltiplas, intensas e adequadas, pelo estabelecimento de uma rede continua e progressiva de interesses reciprocos, pela adopção de formas de governo uteis e e beneficas a toda e a cada uma das partes integrantes, é possivel , em theoria, dilatar a unidade de uma nação até o infinito.
A longevidade da immensa Roma talvez se deva, em mais da metade, ao cuidado que tinha ella pelas suas estradas, com funcções ao mesmo tempo economicas, politicas e estrategicas. Em theoria, a cellula é immortal, mesmo sem divisões: por que não o seria egualmente a nação? Trata-se, no entanto, de um artifício experimental, inexequivel sem duvida, e inteiramente fora dos quadros reaes da historia e da natureza. Ninguem pensaria em ter uma patria no laboratorio!
Em semelhante caso, quiçá se afigurasse a alguem possivel tal remedio para o Brasil. Mas, não; nem por sombras. Desde que a cellula inicia o seu processo de acisão, é inútil tentar detel-a: irá ao fim. O mesmo acontece aqui. O processo de scisão nacional avançou demasiado: a differenciação é irreparavel, irreparavel é o esphacelamento. Sabe-se de quatrocentos annos de actividade nesse sentido; há outros, comtudo, que se não logra contar nem medir, e são aquelles que levou o propria terra em se modelar a si mesma, tal qual a encontrou aqui o homem. E' a geologia que escava o alveo por onde, seculos adeante, rolarão as aguas da historia...

separatismo nordeste Movimentos separatistas voltam a ganhar fôlego - Defensores da causa começam a organizar comissões

A chama do movimento separatista está viva no século 21. Sem alarde, os separatistas da região Sul estão retornando à ativa. O grupo mais organizado, o "Sul é Meu País", já passou da marca de 300 comissões, espalhadas por municípios do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ainda atordoados com o efeito devastador da vinculação da causa ao racismo e discriminação - simpatizantes chegaram a ser hostilizados depois que a Rede Globo exibiu uma reportagem sobre o gaúcho Irton Marx, elevado a líder de movimento -, os separatistas sonham agora em consolidar as bases antes de partir para campanhas públicas. A tática "comer pelas beiradas" é a nova estratégia antes de colocar novamente o bloco na rua.
Quietos os defensores da criação de um novo País nunca ficaram. Só que com a reportagem sobre Irton Marx, que rendeu ao gaúcho denominações como "Adolf Hitler dos Pampas", disparada pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), o movimento arrefeceu. Que o diga Altamir Andrade, editor de um jornal de bairros em Joinville. Além de ouvir desaforos pela rua, teve o muro de casa pintado por uma suástica, símbolo do nazismo. "Só o que eu defendia era a realização de um plebiscito, minha postura não tinha nada a ver com Irton Marx", diz Andrade, que se desligou da militância separatista.
Varrido do PSB, alvo de mais uma dezena de processos - inclusive por racismo -, Irton Marx também se diz perseguido. E se mantém na ativa. "Todos duvidavam que a esquerda ganhasse as eleições no Estado (o PT, com Olívio Dutra, governa o Rio Grande do Sul), não é mesmo? E o separatismo, dá para duvidar?", prega ele, dirigente do Movimento de Independência do Pampa (MIP).
Em Santa Catarina, uma das principais lideranças é Celso Deucher, jornalista de Brusque, secretário-geral do Gesul (Grupo de Estudos Sul Livre), uma espécie de braço teórico de movimentos separatistas da região Sul. O maior é o "Sul é o Meu País". Deucher não gosta nem de ouvir falar em Irton Marx e garante rechaçar aproximações de racistas ao movimento. "Não queremos saber desse tipo de gente. Aliás, às vezes, penso até que aparecem essas tendências discriminatórias justamente para atrapalhar o movimento separatista", alega Deucher, conhecido como "Tchê" em Brusque, município onde reside.
Histórico
O "Sul é Meu País" pretende criar uma nação formada pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O separatismo está longe de ser uma novidade e muito menos pode ser encarada como uma manifestação sulina, embora seja no Sul onde a organização é mais consistente. As fronteiras com a Argentina e Uruguai foram desenhadas na luta armada e, em alguns momentos, ninguém sabia onde começava ou terminava o Brasil.
Na primeira metade do século 19, eclodiu a Revolução Farroupilha, que provocou a República Juliana no Sul de Santa Catarina. Duque de Caxias acabou sepultando a intenção do Rio Grande do Sul e Santa Catarina de formarem uma nação própria. Irton Marx, por exemplo, alega que o MIP não passa de um rompimento com o Tratado de Ponche Verde, acordo que celebrou a paz no território gaúcho em 1845.

Tendência registrada em todos os continentes.separatismo mundo

No mundo globalizado, movimento separatista é o que não falta. Embora a maioria esteja restrito ao "blá-blá" na Internet, grupos como os bascos na Espanha ou a Unita na Angola partem para a luta armada. Seria uma convulsão mundial se o restante dos separatistas resolvessem partir para a força. Existe gente querendo separar o Quebec do Canadá, Chiapas do México, um pedaço da Colômbia (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) do resto do País, a Caxemira da Índia, o Tibete da Mongólia, Ulster da Irlanda, e por aí vai. São os grupos mais conhecidos.
Mas há pessoas lutando para transformar o Alasca ou Havaí em nações independentes, criar a República da Córsega na Itália ou as Duas Sicílias independentes, liberar o leste da Turquia do domínio de Ancara e até reconstruir o Império Assírio no Oriente Médio. Enfim, não existe continente onde alguém não esteja querendo redesenhar fronteiras. Na maioria dos casos, o dinheiro está por detrás dos separatistas.
O esfacelamento da União Soviética em 1989 levou as principais mudanças no mapa-múndi desde o final da Segunda Guerra Mundial, conflito que alterou a geopolítica até na África e Ásia. No caso da extinta URSS, os russos fizeram cara feia, como continuam fazendo em relação à Chechênia, mas várias repúblicas acabaram se tornando independentes, embora abrigadas no guarda-chuva da Federação Russa.

Dinheiro é argumento
O professor Pascal Boniface, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégias, sediado em Paris, garante que os separatismos por origem "puramente" econômica são a grande novidade geopolítica do final do século. Isto é, antigamente, razões étnicas e culturais vinham sempre em primeiro plano. Hoje, o argumento é o dinheiro.
O especialista, em entrevista reproduzida pelo jornal "O Estado de São Paulo", cita o caso coreano. O entusiasmo pela reunificação das Coréias do Sul e do Norte já não é mesmo, pois os sulinos estão temendo prejuízos em bancar a reconstrução dos irmãos do Norte. Mais ou menos o que aconteceu com a Alemanha.

Incógnitas
Boniface encara o futuro da China e do Brasil como grandes incógnitas. Embora 95% dos chineses sejam integrantes da etnia han, o desenvolvimento das províncias costeiras e mediterrâneas já é desigual. No caso brasileiro, o Sul berra contra o Norte. Reclama que os cinco Estados da região Norte, por exemplo, contam com 15 senadores e 46 deputados federais, enquanto que Santa Catarina, como colégio eleitoral semelhante, dispõe de uma bancada de três senadores e 16 deputados. "Por que o voto de catarinense vale 17 vezes menos? Todos não são iguais perante à lei?", questiona Celso Deucher, secretário-geral do Gesul (Grupo de Estudos Sul Livre), uma espécie de braço teórico de movimentos separatistas da região Sul.
Dos cerca de 200 países existentes hoje, 20 foram criados na última década. "É inegável a ameaça de uma proliferação incontida de Estados num mundo que conta com cinco mil povos e etnias. Não se poderá viver com cinco mil Estados", se alarma o escritor Napoleão Sabóia, acreditando que poderemos chegar a 500 países nos próximos 20 anos. (JS)
Reclamação de injustiça fiscal
Afinal, que argumentação motiva a defesa de uma idéia tão radical como se separar do restante do País? "É claro que existem pessoas sérias e bem intencionadas, principalmente as que criticam a concentração de impostos em Brasília, em desrespeito ao pacto federativo. Isso tem de mudar, embora sem necessidade de separatismo. Infelizmente, ainda existe muito fascismo entre o separatismo, do tipo 'aqui trabalhamos e o resto é tudo vagabundo'", diz o deputado federal Carlito Merss (PT), assíduo participante de debates sobre o separatismo na década de 90.
O secretário-geral do Gesul, Celso Deucher, não costuma economizar motivos para justificar o separatismo. "De vez em quando temos que dar um chega pra lá em quem nos procura culpando nordestinos por isso e aquilo. Ou mesmo defendendo raças. Discriminação é bobagem, tão mito como dizer que o Sul carrega outros Estados nas costas", afirma Deucher, embora textos do "Sul é Meu País" alardeiem que o "esforço tributário (do Sul) contempla oligarquias políticas e monopólios econômicos do Norte e Nordeste".
Na análise do separatista, o Brasil não deu certo. Tal qual as hordas de prefeitos que invadem Brasília de tempos em tempos, Deucher lamenta a concentração tributária na capital brasileira. "Mais de 70% fica nas mãos da União. Pouco sobra para os Estados e municípios. Isso não prejudica somente ao Sul e sim a todo País", diz o jornalista.
O movimento o "Sul é Meu País" é presidido por Adílcio Cadorin, prefeito de Laguna. No momento, é editado um jornal quinzenal sobre as atividades do movimento. (JS)
... ... ...
MOVIMENTOS
Movimento Sul é o Meu País
Movimento de Independência do Pampa
Movimento São Paulo Independente

Movimento Separatista do Rio de Janeiro
Organização pela Determinação dos Povos Amazônicos
Grupo de Estudos sobre o Nordeste Independente
... ... ...
AS PROPOSTAS DE NOVOS ESTADOS

Localização dos desmembramentos em análise no Congresso

ESTADOS
Solimões (Amazonas) 1
Araguaia (Mato Grosso) 2
Carajás (Pará) 3
Metade Sul do Rio Grande do Sul 4
Tapajós (Pará) 5
São Francisco (Bahia) 6
Gurguéia (Piauí) 10

TERRITÓRIOS
Juruá (Amazonas) 7
Rio Negro (Amazonas) 8
Alto Solimões (Amazonas) 9
Avanços dependem de
mudanças na Constituição
Proibição não desanima grupo ligado ao "Sul é o Meu País"
Joinville - As chances de triunfo do separatismo no Brasil são ínfimas. "Em primeiro lugar, é preciso mudar a Constituição. Uma cláusula pétrea determina a indissociabilidade da União. Enquanto isso não mudar, o separatismo não passa de preferência pessoal", afirma o advogado joinvilense Norberto Schwartz, que participou de debates sobre o separatismo na década passada.
O jornalista Celso Deucher, secretário-geral do Gesul (Grupo de Estudos Sul Livre), não se mostra tão pessimista e lembra que, no início da década de 90, o Brasil realizou um plebiscito para escolher a forma de governo. Como a monarquia foi incluída como opção, os brasileiros foram açoitados com propaganda do tipo "na época do Império, não existia inflação" ou "a violência era menor". "Por que então a possibilidade do Sul constituir uma nação não pode ser alvo de plebiscito?", questiona. "Só o que queremos é que o povo decida de uma forma democrática", acrescenta.
O alicerce para dar um verniz jurídico ao separatismo atende pelo nome de "autodeterminação dos povos". "É uma regra milenar do direito natural de que os povos têm direito à sua autodeterminação, desde que a população emancipanda expresse esse desejo", reza a cartilha do movimento "Sul é Meu País".

Plebiscito
Como a autodeterminação faz parte das resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), estaria acima da Constituição Federal. Seguindo esse raciocínio, Deucher conclui que a tal cláusula pétrea é uma "heresia". "Por isso, defendemos a realização de um plebiscito, democrático, para consultar a população sobre a criação de um novo País. Antes de tudo, somos um movimento democrático e pacifista", diz Deucher.
Se depender da ajuda da ONU para a causa, os movimentos separatistas brasileiros podem enrolar a bandeiras. Mesmo em comunidades que enfrentam problemas bem mais graves do que injustiças fiscais, como os curdos que seguidamente são alvos inclusive de armas químicas no Iraque de Saddam Hussein, ou as minorias religiosas vítimas de perseguições em vários países do mundo, a ONU não costuma intervir com muita consistência. Até em situações complicadas, como Kosovo e guerras tribais na África, a ONU age com prudência antes de enviar os boinas azuis, tropa composta de soldados de todo mundo. Definitivamente, a região Sul está longe dessa situação.
Também advogado em Joinville, Carlos Adauto Vieira alega que eventuais alterações no mapa brasileiro são um disparate na economia globalizada. "O Brasil já não tem muita força nas negociações internacionais, mas nessa questão da formação da Associação de Livre Comércio das Américas (Alca) vem sendo respeitado devido ao seu tamanho. Imagina se nos dividirmos", argumenta. "É mais juntar os pedacinhos e formarmos uma grande nação", defende. (Jefferson Saavedra)
Manifestações em outros Estados
O separatismo não está reduzido à região Sul, embora a organização sulista seja mais consistente. Porque o "Estado de São Paulo é auto-suficiente, pode cuidar de si mesmo e do seu povo sem precisar de recursos de outras regiões", foi fundado o Movimento São Paulo Independente. Em 1993, foi fundado no Pernambuco o Grupo de Estudos sobre o Nordeste Independente (Gesni).
Em entrevista ao jornal do "Sul é Meu País", o coordenador do Gesni, engenheiro Jaques Ribemboim, negou que seu grupo não passasse de uma represália aos separatistas sulistas. Trata-se de uma idéia sem rancores. O Brasil nunca encontrou uma solução para o problema nordestino porque não tem interesse nisso, mas nós poderíamos encontrar", disse Ribemboim.
Por enquanto, o máximo que foi produzido em separatismo no Nordeste - em período recente - foi a música "Se o Nordeste ficar independente...", de Ivanildo Vila Nova e interpretada por Elba Ramalho. A canção é mais uma crítica às elites locais do que propriamente um manifesto separatista.
Pesquisando pelo País, Celso Deucher descobriu a existência até de uma certa Organização pela Autodeterminação dos Povos Amazônicos, a OAPA. A organização não-governamental (ONG) acusa o Brasil de não impedir a cobiça mundial pela Amazônia e se mostrar omisso na defesa das tribos indígenas, "dizimadas pelos carrascos brasileiros". (JS)
Receio de mais devastação com a divisão da Amazônia
O último Estado a ser criado no Brasil foi Tocantins, ao Norte de Goiás, em 1989. Rondônia, Acre, Amapá e Roraima também viraram Estados, mas existiam como territórios. No caso dos Estados a serem criados na Amazônia, existe a suspeita que a devastação da floresta receberá incentivo.
O possibilidade e divisão do Rio Grande do Sul vai na contramão dos movimentos separatistas. No caso da Metade Sul (ainda não existe nome para o novo Estado), é justamente a parte mais pobre que sonha com a separação. A Metade Sul foi até alvo de programas especiais de financiamento, como o Reconversul, criado pelo ex-governador gaúcho Antônio Britto (PMDB).

Paradoxo
Essencialmente agrícola, a Metade Sul do Rio Grando do Sul se ressente da falta de apoio, principalmente sendo a região que concorre diretamente com produtos da Argentina e Uruguai.
Paradoxalmente, é uma área na qual existem municípios com grandes extensões de área, sem muitas chances para os movimentos emancipacionistas. (JS)
Mais Estados e territórios
Enquanto os movimentos separatistas sonham com novas nações, o Congresso Nacional estuda a criação de nada menos que sete Estados e três territórios. Amazonas é o mais atingido pela tesoura imaginada pelos congressistas: pelo Senado, já passou a aprovação dos territórios de Juruá, Rio Negro e Solimões. A consulta plebiscitária também foi autorizada para analisar as propostas de criação dos Estados de Araguaia (Mato Grosso) e Tapajós (Pará). São as sugestões mais adiantadas.
No segundo bloco, estão as propostas em tramitação na Câmara dos Deputados. Tem deputado sonhando com a criação dos Estados de Gurguéia (Piauí), Carajás (Pará), São Francisco (Bahia), da metade Sul do Rio Grande do Sul e metade Norte do Mato Grosso.

Críticas
Os adversários das separações duvidam da tal capacidade de motivação para o crescimento econômico, alegam que o custeio das novas máquinas administrativas é bancado por impostos cobrados em outras regiões, que os emancipacionistas estão é de olho nas dezenas ou centenas de cargos a serem criados, e que, com passar o tempo, já estarão gastando tanto quanto as unidades de origem. Mais ou menos como ocorre quando o assunto é criar um novo Estado.
O conteúdo dos debates sobre a criação de novos Estados é semelhante ao observado na discussão sobre novos municípios. Os emancipacionistas alegam que maior autonomia facilita a administração, as comunidades se motivam, os custos das novas máquinas são absorvidos pelo crescimento econômico proporcionado para uma administração "mais voltada aos interesses locais". (JS)

(http://www.angelfire.com/punk4/sul/)

http://nacaofederalista.blogspot.com.br/2015/03/nacao-sudeste-sul-movimentos.html

Linkwithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...